Sal e Luz: Para um carnaval diferente


 
 
Não sou nem nunca fui um daqueles foliões que saem às ruas para aproveitar o carnaval, gosto das marchinhas antigas dos salões de bailes de máscaras que ainda aproveitei na infância, hoje já um pouco distante, quando fui vestido de pirata, de “zorro” ou de caubói. Este período me traz certas lembranças boas dos momentos de meninice, segurando as mãos de minha mãe que me tirava para dançar e cantar as quase ingênuas músicas de outros tempos. Do carnaval não tenho repulsa, mas lamento sim os desvios e a perda do pudor que “azedaram” a festa que podia e devia ser mais expressão da cultura de nosso povo tão ricamente presenteado com sua diversidade de ritmos e danças, mas paciência, quem sabe resgatamos um dia o espaço de uma alegria sadia, possível e sem excessos deprimentes e violentos.
 
Confesso que espero por esse período com expectativa logo que um novo ano se avizinha, pela oportunidade de descanso que ele proporciona (quando as escalas de serviço não me tiram de casa) e me permito aderir a programas menos efusivos como um passeio, uma caminhada, curtir uma praia ou igarapé, ler um bom livro, ver um bom filme, tocar uma moda de viola ou até aproveitar alguns momentos a mais debaixo das cobertas. Nada melhor também que a companhia de quem amamos, assim mesmo, como falava o “poetinha”: “eu não ando só…só ando em boa companhia, com meu violão, minha canção e a poesia”.  Por isso penso que os dias “de momo” como dizem os antigos, podem sim ser bem vividos e com boas doses de sabedoria, fazendo do tempo um aliado e do relógio uma tolerância capaz de não gerar revolta, combinando de certo modo com o “hiato temporal” do primeiro bimestre para voltar somente na quinta-feira aos afazeres comuns e aos tantos compromissos que nos exigem esforço e paciência para cumpri-los.
 
Opções há mesmo em quantidade, afinal a cidade fica um pouco mais vazia e a chuvinha “em” e “de” Belém, é foliã certa nestes tempos de fevereiro e março, cobrindo a paisagem de certa nostalgia e convidando a todos a uma boa bebida quente, como um achocolatado ou mesmo aquele cafezinho com pupunha, convite certo para um bom papo com os amigos e um tempo corrido sem a pressa e o frisson comuns dos dias de movimentação. Boa opção também são os carnavais “com Cristo” quando há programações especiais e retiros com oração, pregações e animação musical; enfim, para todos os gostos há opções que por certo preenchem a agenda com criatividade e com benefícios que, bem administrados, ajudam na prevenção ao estresse e à ansiedade por um bom período, até o “começar do ano” efetivo, o que acontece no Brasil, segundo o dito popular, somente após o carnaval.
 
E para nós, católicos, não deixa de ser uma oportunidade para a reflexão que, já na quarta-feira, entra na esteira  da preparação para a Páscoa do Senhor, quando serão quarenta dias de caminhada, conversão  e avaliação de como temos vivenciado o maior dom que recebemos, a nossa vida, tema da reflexão do Papa Francisco para a Quaresma deste ano, que aponta o outro como um dom e nos convoca a defendermos a vida, em especial a vida “frágil”, alerta ainda para as consequências negativas de uma vida cujo ídolo é o dinheiro, principalmente quando tudo se faz para obtê-lo, inclusive corrompendo, enganando, roubando e até atentando contra a vida humana, expressões claras de uma “lógica egoísta” que sufoca a possibilidade do amor e prejudica a presença da paz entre os homens.
 
É, no dizer do Papa, o “homem corrompido pelo amor das riquezas, que não vê nada além de si próprio”, que ignora o sofrimento do outro, suas necessidades e carências, que é indiferente àquele que precisa de ajuda. Neste sentido, destaca-se a figura do pobre Lázaro, cuja ação “ensina-nos que o outro é um dom. A justa relação com as pessoas consiste em reconhecer com gratidão o seu valor. O próprio pobre à porta do rico não é um empecilho importuno, mas um apelo a converter-se e a mudar de vida”.
 
Para o Pontífice, a Quaresma é mesmo um “novo começo”, uma nova oportunidade que se abre, se descortina à nossa frente, no teatro de nossa realidade, e convida além das práticas próprias deste tempo de preparação, como o jejum, a oração e a esmola, o combate firme contra a “corrupção do pecado”.
 
Aproveitemos, portanto, estes dias que antecedem a Quaresma para a higiene de nossas mentes e para sentir o gosto bom da vida e assim também analisar o que tem nos afastado de Deus. Para isso, é preciso nos fortalecer na oração, guardar o silêncio em nosso íntimo e assim promover o refrigério de que nossa alma tanto precisa. Por certo alguns buscarão a efêmera alegria nas coisas que passam, mas façamos destes dias uma festa da verdadeira alegria das coisas simples que o próprio Senhor cultivava: a singeleza de uma realidade de encontros com os irmãos e de proximidade com Deus. Que assim seja!

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