Sermão do descendimento da Cruz: um tesouro espiritual

 
Foto: Ivan Amorim
 
Findava a tarde de Sexta Feira Santa, após a Solenidade da Paixão e Morte de Nosso Senhor, quando o Padre João Paulo de Mendonça Dantas subia ao presbitério da Catedral para proferir o Sermão da Descida da Cruz; tradição que, em nossa cidade, foi inaugurada em 2016 por Dom Alberto Taveira Corrêa.Um pouco atrás, estava posicionada a imagem do Corpo Chagado de Jesus suspenso no madeiro da Cruz. Os acólitos, solenemente paramentados, posicionaram-se em pequenos tablados, ladeando-a.
 
Com a simplicidade que lhe é peculiar, o pregador baixou contritamente a cabeça, quando o Sr. Arcebispo exortou os fiéis, que lotavam a Sé, a rezarem por ele antes do início do Sermão. Os paramentos do sacerdote, embora dignos e perfeitamente engomados, eram de uma humildade ímpar, como que a não querer chamar a atenção sobre si, mas, unicamente ÀQUELE cujo corpo descido da Cruz nos convidaria à meditação.
 
“Depois da morte de Jesus, o Seu Corpo morto, cujos ossos não quebrados, indicam a Sua condição de CORDEIRO PASCAL do Novo Testamento (Jo 1, 29), convidava os homens, judeus e gentios, à contemplação do amor. O Lenho da Cruz, do qual pendia o Corpo de Cristo, como um fruto de amor, recordava à ‘Árvore da Vida’, plantada por Deus no centro do Jardim do Éden (Gn 2, 9).
 
Sim, Jesus Crucificado é a ‘Árvore de Vida’ da nova Criação, a Árvore que oferecerá ao Pai e à humanidade uma multidão de homens e mulheres redimidos, sacerdotes, religiosos, casados, solteiros, médicos, advogados, engenheiros, analfabetos, jovens e idosos, apóstolos, missionários, virgens, mártires, santos do dia-a-dia. Jesus mesmo havia sugerido a imagem de uma árvore, a Videira, quando nas vésperas de sua Paixão, convidou os seus discípulos e todos os homens a permanecerem n’Ele…”
 
Com essas palavras, tinha início o Sermão da Descida da Cruz. Eis que, então, Padre João Paulo levou os fiéis a transcenderem até a cena do Calvário, nos momentos que se seguiram à Morte do Divino Salvador, quando o seu Corpo Santo desceu do Lenho da Cruz. Assim, com delicadeza poética e emocionado tom de voz, próprio dos que sentem o que estão proclamando, o sacerdote elevou o olhar de nossa alma às …
 
“Suas mãos ensanguentadas… mãos santas que tantas vezes os surpreendera com gestos de carinho que transmitiam um amor misterioso, divino e humano; mãos que ofereciam, sempre que necessário, a força que faltava ou indicavam com segurança a direção a seguir. 
Seus pés feridos…. pés bem-aventurados que com firmeza sobrenatural não hesitavam em percorrer a Galileia, a Samaria, a Judeia e muitos outros lugares para anunciar com uma fidelidade filial a Boa Nova da Salvação e da Paz (Is 52,7)! 
Seus olhos fechados e inchados… como esquecer o brilho fascinante daquele olhar? Seu brilho durante anos fora como um farol que atraía e guiava os seus discípulos pelo caminho da Verdade e da Vida (Jo 14,6). 
 
Sua boca ferida… boca que proferia palavras penetrantes que tinham o poder de transformar os corações. Como esquecer o tom de sua voz os chamando pelo nome? Pedro, Mateus, André, Tiago… João… e acrescentando com autoridade e ternura: segue-me! Seu silêncio parecia proclamar a verdade do que estava acontecendo: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). Silêncio criador… 
 
Seu coração… um coração que batia sempre de amor pelos homens e pelo Pai. Como esquecer a emoção que sentiam quando Ele pronunciava de um modo único, inesquecível, o nome do Pai… tudo n’Ele era amor pelo Pai! Seu coração imóvel anunciava que Deus estava oferecendo aos homens um novo coração, manso e humilde como o do seu Filho (Mt 11,29)”.
 
A cada meditação, o pregador silenciava e voltava o olhar para a representação do Sagrado Corpo de Jesus suspenso na Cruz, que estava localizada no presbitério. Ato contínuo, os acólitos, de forma suave e cadenciada, iam pouco a pouco descendendo-o; primeiro a placa com a inscrição “Jesus Cristo, Rei dos Judeus”, depois o braço direito e, em seguida, o esquerdo e, por fim, o corpo inteiro; trazendo ao profundo de nossa alma o mistério insondável que circundou o descendimento da Cruz.
 
Por meio das reminiscências emanadas do coração dos discípulos que conviveram com o Salvador, o poeta João Paulo, trouxe à meditação os sentimentos e posturas tidas por Nicodemos, José de Arimateia, Maria Madalena e João. Com conhecimentos teológicos muito sutis, olhar transcendente e, não poucas vezes, com a voz embargada e em lágrimas, o mestre e doutor João Paulo, humilde e pequeno, nos elevou o espírito.
 
Eis que chegara a conclusão…E a meditação volta-se à Santíssima Virgem que, aos pés da Cruz, recebe o Corpo Santo do Filho, todo chagado e sem vida… E aquele sacerdote, filho de Maria, cheio de ternura no olhar e na voz, convidou-nos a contemplar o seu silêncio de amor:
 
“E quanto à Maria, a Mãe de Jesus? Diante da grandeza de tamanho mistério, humildemente prefiro o silêncio, o seu silêncio de amor! Mas diz muito à nossa fé saber que mesmo sua alma se encontrando atravessada pela espada do sofrimento (Lc 2,35), ela não deixou que se apagassem em seu interior a chama da fé e da caridade; mesmo não entendendo tudo o que acontecia, ela contemplava e, certamente, guardava tudo em seu coração (Lc 2,19.51), alimentando a esperança sobrenatural de que a morte não teria a última palavra na história de seu amado Jesus, o Filho de Deus. No meio das trevas descritas pelo evangelista Mateus (Mt 27,45), uma luz brilhava: era a luz da Esperança no coração de Maria. Ao abraçar o seu Filho morto, a Santa Virgem e Mãe não conseguiu dizer “adeus”, pois tinha a certeza que o reveria… Ensina-nos, ó Maria, a viver como Tu viveste no silêncio da fé e do amor, o mistério desta Sexta-Feira santa, na esperança do que virá… na espera do Domingo, cuja luz já brilha em Teu coração (e, a partir do Teu, nos nossos)! Assim seja, Amém”!
 
Os fiéis presentes à Catedral naquela Sexta Feira silenciosa, orante e contrita, e os que acompanhavam pela transmissão da TV Nazaré, foram profundamente tocados pela pregação daquele poético sermão… profundo… humilde… teológico na medida certa… repleto de ternura… emocionante… Obrigada Padre João Paulo de Mendonça Dantas por tão belo tesouro espiritual que ilustrou nossa Sexta Feira Santa!!!
 
 

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