Por Dom Alberto Taveira Corrêa
No mesmo dia de sua Ressurreição, Jesus se apressou em manifestar-se aos seus discípulos. O amor toma logo a iniciativa, indo ao encontro daquele grupo de homens muito amados e ao mesmo tempo inseguros, cuja firmeza só poderá vir do grande presente que o Senhor estava para dar-lhes, o sopro do Espírito Santo. Passam-se os séculos e a porta da misericórdia continua aberta para todos. A Oitava da Páscoa se conclui com a Festa da Misericórdia, quando testemunhamos o Senhor soprando sobre seus discípulos, confiando-lhes o serviço da misericórdia e do perdão, a ser exercido no correr dos séculos.
Muitos séculos depois, São João Paulo II, que escreveu uma excelente Encíclica sobre a misericórdia e instituiu esta festa a ser comemorada a cada ano no segundo Domingo da Páscoa, voou para o Céu no cair da tarde que a precede. Agora, tendo sido chamado para junto de Deus na manhã da segunda-feira de Páscoa, celebram-se os funerais do grande Papa Francisco, no mesmo sábado! Coincidências? Não! Providência amorosa de Deus, no amor ao Papa e à Igreja. Somos chamados a entregar juntos ao Céu o presente que foram estes quase treze anos de Pontificado do Papa Francisco. Ele deixa marcas preciosas na Igreja e no mundo!
Podemos pensar um pouco de longe, na repercussão havida no mundo inteiro! Santo orgulho temos os cristãos católicos ao afirmar, com clareza, que nossa época não possui um outro líder do porte do Papa Francisco. Sua presença corajosa diante das autoridades mundiais, a graça especial que a Providência nos concedeu de o Estado da Cidade do Vaticano ser independente, dando a liberdade para manifestar-se, em primeiro lugar na voz do Papa, em todas as questões que dizem respeito à paz, à justiça, ao justo equilíbrio entre as nações e, mais ainda, quanto à dignidade humana, especialmente dos mais pobres e de todos os oprimidos da terra.
Seu Pontificado abriu as portas da Igreja e sensibilizou o mundo para a ecologia e o grande desafio das mudanças climáticas. A Encíclica Laudato Sii e a Exortação Apostólica Laudate Deum marcaram época e se tornaram referências permanentes para os assuntos que agora são tratados e cujas soluções são buscadas por todo o mundo, especialmente nos meses que nos separam da COP 30, a ser celebrada em nossa cidade de Belém.
Na perspectiva do mandato apostólico que lhe foi entregue, repetiu com insistência que deveríamos ser uma “Igreja em saída”. Espalhou-se pelo mundo sua proposta de que a Igreja é como um “Hospital de Campanha”, para acolher todos aqueles que de alguma forma estão feridos e machucados. Basta lembrar que nos primeiros meses de seu Pontificado, visitando Lampedusa, deu o tom de sua atenção às urgências sociais, como a migração, as periferias das cidades e da sociedade, a superação da chaga da guerra, infelizmente existente em vários pontos da terra. Por onde passou, deixou marcas de solidariedade para com os mais pobres, suscitando a exigência de continuar no mesmo rastro por ele deixado. Como a Igreja é sempre passível de crescimento e reforma, ficam para todos nós as exigências da fraternidade a ser desenvolvida, como nos ensinou na Encíclica “Fratelli tutti”.
E podemos penetrar pelos umbrais das portas da Igreja, que desejou estarem sempre abertas! Em seu coração, a participação de todos, homens e mulheres, o espírito sinodal do qual não podemos mais fugir, com o envolvimento orante, fiel à Palavra de Deus e decidido a discernir o que o Espírito Santo diz às Igrejas. Se acompanhamos a liturgia por ele presidida, encontraremos fidelidade irretocável, com simplicidade e dignidade, homilias profundas, breves e tocantes. Quantas delas nos serviram de referência para pregar ao Povo de Deus! E uma paixão acompanhou o seu Pontificado, a verdade, buscada e anunciada junto com a caridade, sem passar as mãos na cabeça de ninguém, incomodando e desacomodando positivamente a todos nós cristãos, ao indicar a meta a ser alcançada. Pareceu-nos nos últimos meses aplicadas ao Papa palavras de São Paulo: “A minha expectativa e esperança é de que não vou perder a causa, em qualquer hipótese. Pelo contrário, conservarei toda a minha segurança e, como sempre, também agora Cristo será engrandecido no meu corpo, quer eu escape da morte, quer não. Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro. Ora, se, continuando na vida corporal, eu posso produzir um trabalho fecundo, então já não sei o que escolher. Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor –; por outro lado, parece mais necessário para o vosso bem que eu continue a viver neste mundo. Certo disto, sei que vou permanecer e continuar convosco, para o vosso progresso e alegria da fé” (Fl 1,20-25).
A diversidade das vocações o levou a propor orientações seguras e firmes para a formação dos ministros da Igreja, com coragem para corrigir e ao mesmo tempo estimular ao crescimento de cada pessoa chamada a uma especial forma de consagração ao Senhor. Os Bispos, os Presbíteros e Diáconos o sentiram como voz potente e exigente, para serem modelos do rebanho.
Enfim, “Miserando atque eligendo – Olhou-o com misericórdia e o escolheu” foi o seu lema. Espalhou misericórdia por onde passou, desejou ir aos recantos mais desafiadores da humanidade e do coração das pessoas, Nós o vimos declarando-se pecador, como todos o somos, e se deixou fotografar ajoelhado num confessionário da Basílica de São Pedro, com o também acolheu pecadores para o Sacramento da Reconciliação, anualmente foi a presídios romanos para o lava-pés da Quinta-feira Santa, e proclamou a necessidade de não condenar as pessoas, mas oferecer a todos a riqueza da misericórdia de Deus.
Como sabemos que “todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm descendo do Pai das luzes, que desconhece fases e períodos de sombra, e que de livre vontade ele nos gerou, pela Palavra da verdade, a fim de sermos como que as primícias de suas criaturas” (cf. Tg 1,17-18), de verdade, somos felizes, sabendo que o Céu abriu-lhe as portas na Segunda-feira de Páscoa e pôde levar a humanidade consigo, amado e respeitado, homem das Dores e das Alegrias, e nós o entregamos com alegria e não com lamentações. Celebrou seu próprio Jubileu, como peregrino de Esperança, chegando à Casa do Pai.