Introdução
Jesus Cristo é o mestre das relações humanas. Por ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Nele a experiência da Amizade é uma realidade profundamente complexa se manifestando em diversos níveis, contextos, situações. Jesus nos revela a Amizade também como uma realidade divina presente nas relações internas da Santíssima Trindade; esse é o primeiro e íntimo, misterioso e perfeito nível de amizade.
Jesus não viveu solitariamente; ele formou um grupo de discípulos, os quis próximos a si e para depois enviá-los em missão (cf. Mc 3,13-15). Com os Doze, Jesus teve uma especial e intensa relação de amizade, mas dentre eles o relacionamento para com alguns se destacou dos outros. Merece também ser colocado em evidência a qualidade do relacionamento amistoso de Jesus com todas as categorias de pessoas.
1 – A Amizade na Santíssima Trindade
Nos Evangelhos há diversas narrações que evidenciam a relação de amizade, intimidade e comunhão entre as três pessoas da Santíssima Trindade: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. A encarnação do Filho acontece por obra do Espírito Santo (cf. Mt1,18.20; Lc 2,35); o Espírito Santo e Deus Pai participam, diretamente, do ato inaugural da vida pública de Jesus no seu batismo (cf. Mt 3,16; Mc 1,8.10). Jesus inicia a sua missão movido pela força do Espírito Santo (cf. Lc 4,1.18), e glorifica a Deus Pai por isso (cf. Lc 10,21).
Através do Espírito de Deus Jesus expulsava os demônios (cf. Mt 12,28); ao enviar os apóstolos em missão recomendou-lhes batizar “em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28,19). O Espírito Santo é o Espírito da Verdade que procede do Pai e dá testemunho do Filho (cf. Jo 15,26; Jo 5,37).
Jesus veio de junto do Pai, esteve no mundo em plena comunhão com Ele, nunca esteve solitário e voltou para o Pai (cf. Jo 16,28.32); Jesus declara ter sido abandonado por seus amigos e afirmou: “mas não estou sozinho, pois o Pai está comigo” (Jo 16,32). Jesus em todos os momentos e, sobretudo na hora da Cruz, conta com a presença e consolo confortante de seu Pai. Por outro lado, Jesus lhe garante a sua correspondência: “Pai, é chegada a hora. Glorifica teu Filho, para que teu Filho glorifique a ti” (Jo 17,1-2).
O dinamismo do trabalho de Jesus é o mesmo do Pai, por isso declarou: ‘Meu Pai continua trabalhando até agora e eu também trabalho” (Jo 5,17); declarou que o Filho, por si mesmo, não pode fazer coisa alguma, mas faz o que vê fazer o Pai; e tudo o que o Pai faz, o faz também, semelhantemente, o Filho (cf. Jo 5,19; 21-26). O Pai ama o Filho e mostra-lhe tudo o que faz (cf. Jo 5,20).
O Filho veio do céu não para fazer a sua vontade, mas a vontade do Pai que lhe enviou (cf. Jo 5,38-39). Há uma sintonia e identificação recíproca entre Pai e Filho, de modo que quem conhece o Filho, também conhece o Pai (cf. Jo 14,7). Após Felipe pedir “mostra-nos o Pai e isso nos basta”, Jesus lhe respondeu: «Faz tanto tempo que estou no meio de vocês, e você ainda não me conhece, Filipe? Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9). E acrescentou: “Você não acredita que eu estou no Pai, e que o Pai está em mim? As palavras que digo a vocês, não as digo por mim mesmo, mas o Pai que permanece em mim, ele é que realiza suas obras. Acreditem em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,10-11). A amizade na Trindade é perfeita relação de Amor recíproco, unidade, comunhão misteriosa e permanente.
2 – Amizade nas atitudes de Jesus
Partindo do testemunho dos evangelistas percebemos que a afetividade de Jesus era plenamente dilatada, livre, madura, equilibrada, aberta a todos. A sensibilidade amistosa de Jesus era rica de sentimentos de compaixão e empatia tanto para com pessoas, singularmente, quanto para com grupos e multidões que o levava a dar respostas às necessidades daqueles que o procuravam.
Nas suas atitudes há um nobre senso de amizade que merece atenção. Porque não excluía ninguém do seu leque de relacionamento, Jesus é acusado de ser “um comilão e beberrão, amigo dos cobradores de impostos” (Mt 11,19; Lc 7,34); Jesus não chama seus discípulos de servos, mas de amigos porque lhes deu a conhecer plenamente o projeto do Pai (cf. Jo 15,15). Para Jesus Cristo, o verdadeiro amigo é aquele que é capaz de dar a sua vida pelo outro: “não há maior amor do que dar a vida pelos amigos” (Jo 15,13).
Jesus, vendo que Judas Iscariotes estava decidido, lhe diz: «Amigo, faça logo o que tem a fazer.» (Mt 26,50). A decisão de agir contra o seu mestre revelava que Judas nunca lhe foi amigo, apesar de se beneficiar da bondade de Jesus. Jesus vincula a Amizade à prática do Amor: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, como eu vos amo… Vocês são meus amigos, se fizerem o que eu estou mandando” (Jo15,12.14).
A visita que Jesus fez à sogra de Pedro que estava doente, nos mostra uma profunda sensibilidade humana; Jesus tocando-a, ajudou a levantá-la e ela ficou curada (cf. Mt 8,14-15). O evangelista Mateus, ao introduzir o capítulo das parábolas do Reino de Deus, diz que “Jesus saiu de casa, e foi sentar-se às margens do mar da Galileia. Numerosas multidões se reuniram em volta dele” (Mt 13,1-2). Jesus é um homem aberto, livre, sem barreiras, capaz de manifestar afeto às pessoas, amigo do povo.
Jesus é o Amigo sempre disponível aos mais necessitados. Às margens do mar da Galileia é capaz de posicionar-se, estrategicamente, sentar-se e deixar-se rodear pelos mais necessitados como coxos, aleijados, cegos, mudos, e muitos outros doentes que eram colocados aos pés de Jesus, que os curava (cf. Mt 15,30).
Observando a frieza dos outros líderes, Jesus dirige-se ao povo lhe diz: “Venham para mim todos vocês que estão cansados de carregar o peso do seu fardo, e eu lhes darei descanso. Carreguem a minha carga e aprendam de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vocês encontrarão descanso para suas vidas. Porque a minha carga é suave e o meu fardo é leve.» (Mt 11,28-30). Jesus se referia ao fardo do Amor.
Nessa situação podemos incluir a atitude de Jesus diante de Nicodemos, frente à mulher Samaritana, com a Cananéia, no encontro com o cego Bartimeu, com os dez leprosos, com o povo faminto no deserto que vagava como ovelhas sem pastor, etc. A experiência da amizade de Jesus tinha sempre uma forte dimensão social.
Enfim, vale a pena recordarmos as atitudes amistosas de Jesus para com os discípulos de Emaús: se aproxima deles, discretamente, os acompanha, escuta, dialoga, intervém, educa, esclarece, faz memória, come com eles (cf. Lc 24,13-31).
3 – Amizades especiais
Caso bem notável de Amizade de Jesus é aquele com os irmãos Marta, Maria e Lázaro, que moravam em Betânia; em certa ocasião Maria ungiu o Senhor com perfume, e enxugou ospés dele com os seus cabelos (cf. Jo 11,2). Sinal evidente de amizade e intimidade; em outro episódio, Marta o acolhe e Maria dedica generoso tempo escutando o seu amigo (cf. Lc 10,38-42).
Jesus amava Marta, a irmã dela e Lázaro (cf. Jo 11,5). Com a morte de Lázaro, Jesus declara: “O nosso amigo Lázaro adormeceu. Eu vou acordá-lo.» (Jo 11,11); apesar disso, se comoveu (cf. Jo 11,32-33).
O evangelista Lucas fala de um grupo de mulheres amigas que andava com Jesus e os Doze; elas tinham sido curadas de enfermidades e assistiam a Jesus e seus discípulos em suas necessidades; dentre elas estavam Maria Madalena, Joana e Susana, mas o evangelista observa que havia muitas outras (cf. Lc 8,1-3). Nessa narração temos uma linda referência à amizade carregada de solidariedade missionária.
Outro caso significativo de sinal de amizade de Jesus é a sua proximidade para com Pedro, Tiago e João; esses três são mencionados diversas vezes, independentemente do grupo, e compartilham momentos especiais com Jesus, como por exemplo: só eles testemunham a ressurreição da filha de Jairo (cf. Mt 17,17; Mc 5,33); a transfiguração de Jesus no monte Tabor é outro importante evento testemunhado somente por eles (cf. Mc 9,1-10); na noite em que foi traído e preso, Jesus levou os discípulos consigo ao Monte das Oliveiras, mas chegando lá chama à parte Pedro, Tiago e João e lhes confidenciou: «Minha alma está numa tristeza de morte. Fiquem aqui e vigiem” (Mc 14,33). No Calvário, na hora do máximo do seu sofrimento, Jesus contou com a presença silenciosa e fiel de dois amigos: Maria Madalena e João (cf. Jo 19,25-27).
4 – A Amizade nas Parábolas
Encontramos referências à amizade não só nos seus gestos, mas também em suas palavras e, de modo particular, nas parábolas: na parábola dos operários da vinha que, apesar da diversidade do tempo de trabalho, recebem a mesma recompensa; a quem reclamou, o patrão respondeu: “Amigo, eu não fui injusto com você. Não combinamos uma moeda de prata? Tome o que é seu, e volte para casa” (Mt 20,13-14).
Na parábola do rei que celebrava as bodas do seu filho, diante da indiferença dos primeiros convidados, o rei pediu que estendessem o convite a todos os que fossem encontrados pelo caminho e, assim, o salão ficou cheio. Mas quando o Rei entrou no salão para ver os convidados, encontrou um que não estava com traje de núpcias, então lhe perguntou: “Amigo, como foi que você entrou aqui?” (Mt 22,12).
Na parábola do amigo que procura outro amigo para pedir três pães à meia noite, para dar de comer ao seu amigo que acabara de chegar, há a insistência sobre a ideia de que o amigo, apesar dos incômodos das horas incertas, é sempre alguém com o qual podemos contar a qualquer hora e vai sempre atender (cf. Lc 11,5-8).
Tanto a parábola da ovelha perdida e encontrada quanto a parábola da moeda recuperada são concluídas com uma festa entre amigos e vizinhos (cf. Lc 15,4-20). Os amigos são aqueles com os quais compartilhamos nossas alegrias e conquistas. Os amigos são aquelas pessoas para nós, importantes, e para com as quais fazemos festa; assim reivindica o filho mais velho na parábola do Pai misericordioso (cf. Lc 15,29). Por causa do senso de reciprocidade entre amigos e parentes, de um que recompensa o outro, quando alguém quiser ser gratuito não deverá convidar seus amigos para uma festa, mas os mais pobres (cf. Lc 14,12).Os amigos se recompensam entre si.
Enfim, na parábola do Bom Pastor (cf. Jo 10,1-17), encontramos diversos elementos típicos de alguém que tem uma profunda sensibilidade para com o valor da Amizade; Jesus é o amigo Bom Pastor e o Bom Pastor amigo. Nessa parábola, Jesus evidencia algumas importantes atitudes profundamente baseadas nas relações humanas: entrada oficial e respeitosa no curral das ovelhas, conhecimento das ovelhas por nome, escuta, proximidade de relacionamento, reconhecimento da voz, promoção da vida em abundância, espírito crítico, senso de cuidado, capacidade de sacrifício pelo outro, fidelidade, busca de segurança, gratuidade.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – O que você observa na capacidade de relacionamento de Jesus?
2 – O que Jesus nos indica para a nossa fidelidade aos amigos?
3 – Qual das experiências de amizade de Jesus mais lhe chamou a atenção?