O Círio de Nossa Senhora de Nazaré tem muitas dimensões, dentre elas, estão as dimensões afetiva e ética. A primeira é sempre muito bem visível, uma vez que visibilizamos a relação de carinho dos fiéis para com Nossa Senhora por meio da imagem. Percebemos lágrimas caindo, lábios pronunciando palavras, gestos de súplica, sinais de carinho etc. A comoção das pessoas é algo muito significativo e nos faz imaginar a realidade de uma relação entre sujeitos.
A outra dimensão, mais exigentee também visível, é aquela ética. O Círio de Nazaré convoca os fiéis, irmanados na mesma fé ou não, ao testemunho da fraternidade. Onde há a autenticidade da experiência do mistério de Deus, ali há caridade. “Onde há Caridade, ali Deus está”.
Há uma íntima relação entre religião, fé, amor, justiça e ética. A afetividade do Círio permeia as relações entre pessoas e instituições, cultura e religião, fiéis e lideranças, governos e cidadãos, transformando o clima das famílias e comunidades. A autenticidade da experiência religiosa alarga a nossa dimensão afetiva. Onde se rompe o entrelaçamento entre fé e amor, se escorrega para o fundamentalismo, intolerância, alienação, intimismo, proselitismo. O Salmo 85,11 nos alerta: “Amor e Verdade se encontram, Justiça e Paz se abraçam”.
Que linda tradição é aquela das peregrinações nas famílias que proporciona o encontro de parentes, a alimenta a fé dos amigos, envolve-se vizinhos, supera-se barreiras, restaura-se o perdão, reacende-se as relações de amizade entre as pessoas. O clima afetivo e ético do Círio promove um sério impacto social muito positivo nas famílias e também no mundo do trabalho. As instituições que ainda não se abriram para essa experiência não sabem o que estão perdendo.
O Círio, por ser um eventoreligioso,está carregado de sensibilidade ética e afetiva: os amigos se encontram, as famílias se reúnem; peregrinos são acolhidos, promesseiros ajudados, sedentos satisfeitos, famintossaciados; as instituições visitadas renovam seus nobres ideais de prestação de dignos serviços à sociedade.O Círio é um mar de irmãosna fé que,fraternalmentecaminham juntos, no mesmo rumoe acompanhados pela mãe de Deus.
Não é admissível na espiritualidade cristã que o culto seja desconectado da experiência do Amor. “Um novo mandamento dou a vocês: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros” (Jo 13,34).Na perspectiva cristã todo e qualquer ato religioso que não esteja profundamente afinado com a sensibilidade de Jesus Cristo, cai no vazio. A essência da vida de Jesus Cristo foi a compaixão, o respeito, o cuidado para com todos, a delicadeza, a tolerância, a defesa dos injustiçados etc.
O Círio deve ser para todos aqueles que dele participam, uma forma de experiência de Deus, o Bem supremoe, por isso, é oportunidade paraa revitalização dos nossos compromissos com a promoção do bem, a amizade social, a prática da solidariedade.
Na Vida de Maria encontramos uma profunda síntese harmoniosa de fé e vida. Ela transformou a sua intimidade com Deus em atitude de serviços aos irmãos. Por isso o autêntico devoto de Nossa Senhora nãodeve ser mesquinho.Maria foi solidária, acolhedora, sensível, generosa, corajosa, atenta às necessidades dos outros, cheia de espírito de iniciativa, firme no sofrimento. Somos chamados a imitar Maria na vivência do dinamismo das virtudes teologais.
O Círiorepresentauma chamada de atenção sobre os nossos rumos, para onde estamos caminhando na prática da nossa fé. O percurso festivo, tranquilo e em clima suave de descida na transladação da basílica à catedral,poderia representar as belezas da vida com seus muitos momentos alegres e festivos. Mas nem tudo na vida é de descida! Por isso, há outro percurso a se fazer, que é aquele de subida da catedral à basílica, no calor do dia, em meio a sacrifícios, no aperto das relações que nos exigem calma e paciência. Somos provados na fé! As procissões são metáforas da vida para delas tirarmos lições!A procissão do Círio é uma subida e isso significa que a verdadeira fé para ser traduzida em obras exige decisão pessoal, esforço, luta, capacidade de sacrifícios.
Enfim, considerando a dimensão ética do Círio em todas as suas manifestações, não vale a hipocrisia, a ingratidão e nem frieza; não vale a condenação da consciência religiosa alheia e nem o uso da “Caridade” para se autopromover; não vale o proselitismo,a falta de oração e nem o esquecimento da Palavra de Deus. Também não é sinal de fé,só se lembrar da mãe de Deus no domingo do Círio e nunca participar da vida da Igreja! O Círio não vale para quem contraria a aliança entre fé e amor.
Peçamos a Nossa Senhora de Nazaré a graça de fazer da nossa participação no Círio uma experiência de renovação da nossa fé e do amor à Igreja.