A espiritualidade pascal: a experiência da comunhão fraterna

Introdução

Continuando a reflexão sobre o aprofundamento da espiritualidade Pascal, queremos desta vez refletir sobre a comunhão fraterna como consequência imediata da fé no Ressuscitado.

A experiência da comunhão é uma exigência fundamental para aqueles que querem tornar-se discípulo de Jesus. Jesus não veio simplesmente para convocar seguidores, mas para formar uma comunidade intimamente relacionada a ele em espírito de comunhão e sinergia na missão (cf. Mc 3,1-3). Por isso, a comunidade dos discípulos de Jesus sofreu profundamente com a traição de Judas. Ele andava com Jesus, mas não estava em comunhão com ele e nem com os colegas.

A comunidade dos discípulos de Jesus é chamada a resplandecer em seu interior e nas suas relações a comunhão trinitária. Jesus não é simplesmente o mestre que forma discípulos, mas é sujeito integrante da comunidade perfeita, a Santíssima Trindade. Por isso, em tantas vezes, declarou que nada fazia sem estar em comunhão com o Pai e agia pelo Espírito Santo. Os seus discípulos são desafiados a viver a experiência da comunhão trinitária; por isso Jesus lhes disse: “Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos reconhecerão que vocês são meus discípulos» (Jo 13,33-35).

  1. Jesus, centro de convergência

A experiência e o testemunho de comunhão deve ser o grande distintivo da Igreja; após a sua Ressurreição percebemos um grande movimento de convergência e comunhão entre os discípulos e o Mestre. O Ressuscitado é fonte de comunhão. Com a crucificação de Jesus, os discípulos se dispersaram, mas com a notícia da sua ressurreição eles se aproximam e voltam a formar a comunidade.

A nitidez do aceno à união e comunhão da comunidade dos discípulos, aparece diversas vezes, tanto nos evangelhos quanto nos atos dos apóstolos no período pós-pascal. O evangelista Mateus fazendo referência à declaração do Sumo sacerdote Caifás que afirmou que Jesus morreria pela nação, acrescenta que sua morte reuniria os filhos de Deus que estavam dispersos (cf. Mt 12,51-52).

Movidos pela esperança do encontro com o Ressuscitado, Pedro e João corriam juntos rumo ao sepulcro; João chegou primeiro, mas não entrou no túmulo e esperou a Pedro; eis um sinal claro de reconhecimento da autoridade petrina e do seu sentido de comunhão para com ele (cf. Jo 20,4).

Com a narração da pesca milagrosa, a abundância da pescaria só vem após a integridade da comunidade dos discípulos, com a presença de Jesus e a obediência às sua Palavra (cf. Jo 20,1-11). A autêntica comunhão eclesial deve abraçar a totalidade da vida da Igreja, em todos os seus níveis e só acontece mesmo quando esta, está em sintonia com a obediência à palavra de Jesus. A comunhão eclesial não se identifica com o concordismo democrático.

Outro texto muito significativo de convergência para comunhão é a experiência dos discípulos de Emaús. Enquanto eles estavam entristecidos, frustrados, decepcionados, sem fé e sem esperança, se afastavam de Jerusalém, ou seja, do lugar da comunidade, do consolo fraterno, do ambiente da experiência do encontro com o Ressuscitado. Todavia, após o encontro com a pessoa de Jesus e reconhecimento da sua pessoa se iniciou um processo de total mudança e, ao final, eles voltaram à Jerusalém contando a experiência que tiveram no caminho (cf. Lc 24,13-35).

É no clima de profunda convergência que encontramos o testemunho de comunhão da comunidade primitiva: juntos diariamente frequentavam o templo, eram unidos tinham o mesmo afeto e mentalidade, rezavam juntos, partilhavam o que tinham, eram sensíveis às necessidades dos outros, estimados pelo povo e cresciam (cf. At 2,12-16;46; 4,32-37).

  1. A teologia do corpo eclesial

Saulo, que tanto lutou contra a Igreja de Jesus Cristo, fazia tudo que estava ao alcance para dividi-la, enfraquecê-la e fragmentá-la, após a sua íntima experiência de encontro com Jesus Ressuscitado, tornou-se o apóstolo apaixonado pela promoção da comunhão e da unidade. Na carta aos Filipenses afirma: “se há um conforto em Cristo, uma consolação no amor, se existe uma comunhão de espírito, se existe ternura e compaixão, completem a minha alegria: tenham uma só aspiração, um só amor, uma só alma e um só pensamento. Tenham em vocês os mesmos sentimentos de Jesus Cristo” (Fl 2,1-3.5).

Na carta aos Efésios São Paulo afirma que a meta é que todos juntos, nos encontremos unidos na mesma fé e no conhecimento do Filho de Deus (cf. Ef 4,13). Escrevendo aos Coríntios desenvolve a teologia do corpo eclesial (cf. 1Cor 12,12-30); a imagem usada nos chama à experiência da comunhão, da integração, da solidariedade e corresponsabilidade.

Tomando conhecimento de brigas e divisões na comunidade de Corinto, o apóstolo estimula a comunidade a viver a unidade da fé e manter-se na concórdia evitando toda espécie de divisões (cf. 1Cor 1,10-11). Paulo compara a comunidade como um corpo que, apesar de ter muitos membros, todos estão em comunhão e se ajudam mutuamente. Assim deve ser a vida da comunidade eclesial; somos muitos, todos diferentes, com dons específicos, mas formamos um só corpo, a comunidade (cf. 1Cor 12,12-13).

  1. A comunhão é compromisso

O testemunho de comunhão é necessário na vida da Igreja porque deve ser reflexo da prática da caridade; é sinal de fé no mistério da Santíssima Trindade. Por isso a Igreja reza na oração eucarística pelo papa, pelos bispos, sacerdotes e fiéis leigos, para que superando as discórdias e divisões do mundo, brilhe como sinal profético de unidade e de paz (cf. Oração Eucarística VI-A). Noutra oração eucarística, a Igreja suplica dizendo que é vontade do Pai “que a busca da paz vença os conflitos, que o perdão supere o ódio e a vingança dê lugar à reconciliação” (Oração Eucarística VIII).

A comunhão levada a sério, quando pensada, planejada, organizada e promovida, pode desembocar na cultura do encontro, do diálogo, do discernimento e da obediência. Não há comunhão onde não se leva em conta a obediência.

Num mundo profundamente marcado pela pluralidade, polarizações, ideologias extremistas, somos chamados, como Igreja, a aprofundar as consequências da espiritualidade da comunhão. A comunhão não é uma questão relativa, mas essencial para a vida eclesial; não é uma estratégia para que a Igreja se torne mais forte e vença obstáculos; é a consequência natural da vivência do mandamento do Amor que deve testemunhar. A comunhão é a experiência de senso de fraternidade e, ao mesmo tempo, uma meta, uma busca, um desafio constante até a plena comunhão eterna dos discípulos de Jesus.

Essa convicção, sentimento, mentalidade e dinamismo devem permear a vida da Igreja em todas as suas dimensões, lugares, instituições, movimentos, pastorais e serviços eclesiais. A cultura da comunhão sempre desafiará a Igreja em todas as suas expressões pastorais e institucionais.

A cultura contemporânea nos convida a reforçar o sentido de comunhão trabalhando em rede. O termo rede nos estimula a pensar na força estratégica da união. As instituições eclesiais não são chamadas a trabalhar em comunhão, não apenas por questão estratégica, mas por força da necessidade do próprio testemunho vocacional, de compromisso com o Reino de Deus. Isso deve ser aprofundado nas nossas instituições, pastorais e movimentos! Qualquer sujeito eclesial que se isola e, por força de argumentos próprios, prescinde de uma caminhada conjunta, se enfraquece, envelhece, atrapalha e morre!

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Por que a experiência da Comunhão é de fundamental importância para a Igreja?
  2. Como se expressou a experiência da Comunhão na Comunidade Primitiva?
  3. Como podemos favorecer o fortalecimento da Comunhão nas nossas comunidades?

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