A espiritualidade pascal: promoção da liberdade autêntica

Introdução

Conforme narra o livro do Êxodo, a festa da Páscoa está intimamente relacionada à memória da libertação dos hebreus escravizados no Egito. A Páscoa, celebração da passagem da escravidão para a libertação, não foi vista como iniciativa humana, mas um projeto divino, foi uma intervenção de Deus (cf. Ex 3, 7-10; Ex 12,1). De fato, Deus que nos criou para a liberdade, os quer sempre livres e responsáveis (cf. Ez 18).

A celebração da Páscoa, como memória da saída da escravidão, convocou o povo ao compromisso de zelar pela dignidade da vida. Se de um lado a liberdade é dom, a libertação é processo que implica um paciente e longo caminho.

Para esse povo, a memória da libertação era a condição fundamental para que conservassem a liberdade e vivessem na fidelidade a Deus. Mas em tantos momentos, o povo caiu no cansaço, na impaciência e esqueceu a misericórdia de Deus que o libertou da casa da escravidão. Quando o povo esquecia o Evento Pascal do Egito, como consequência, caíam em graves males como a idolatria, exílio, sofrimento, violências (cf. Jz 3,7; 1Sm 12,9; Ed 9; Dn 9). Da mesma forma também acontece com os cristãos quando esquecem do Ressuscitado.     

  1. A Páscoa de Jesus

A segunda páscoa, aquela de Jesus que vence a morte assumindo a Vida gloriosa, também é obra da Misericórdia de Deus Pai que alimenta, continuamente, a vida do discípulo do Ressuscitado. A fé na Ressurreição de Jesus é compromisso de vida nova para os seus discípulos. Nas diversas narrações dos evangelhos, após a morte de Jesus os discípulos tinham se dispersado, estavam entristecidos, fechados, vazios, frustrados, com medo, angustiados, deprimidos, sem liberdade (cf. Lc 24, 1-11).

Todavia, com o anúncio da ressurreição, a mudança psicológica deles foi radical: despertaram para uma nova postura, assumiram novo ânimo, colocaram-se em movimento, partilharam a boa notícia, tornaram-se comunicativos, encheram-se de alegria. Os discípulos reencontraram a liberdade e a paz (cf. Jo 20, 1-18; Lc 24, 1-12).

Se no Êxodo o símbolo do caminho da liberdade foi o mar aberto para a vida nova, liderados por Moisés, nos Evangelhos encontramos o sepulcro vazio e a pessoa de Jesus Ressuscitado gerando vida nova em todos aqueles com os quais se encontrou. A experiência do encontro com o Ressuscitado foi forte, restauradora dos ânimos, das memórias, dinamizadora dos afetos e geradora de um novo ardor missionário.        

Quando Jesus Ressuscitado apareceu a Maria Madalena, ela que estava triste e chorando, imediatamente, ao reconhecer a voz de Jesus, apesar do medo, correu com alegria para dar a notícia aos apóstolos que estavam de luto e chorando (cf. Mc 16, 10-11). A fé no Ressuscitado nos liberta do cárcere dos sentimentos negativos.

  1. Páscoa, liberdade e alegria

A festa da páscoa está sempre relacionada a movimento, mudança positiva, dinamismo, superação, esperança, otimismo, entusiasmo, alegria, coragem… Para os hebreus que saíram da escravidão no Egito, a páscoa representou a festa da conquista da liberdade, da alegria de viver, da possibilidade de decidir os próprios rumos, da retomada do brilho da dignidade humana. Era a festa da esperança. Não existe alegria onde não há esperança e, onde não se vive a esperança também não há liberdade e nem visão de futuro.

A liberdade que brota da Páscoa é a restauração da consciência vocacional que nos impele a viver com generosidade e paixão. Pois Deus nos criou para a liberdade, mas a verdadeira liberdade não deve ser confundida com a pura capacidade de tomar decisões (livre arbítrio), mas como escolha do bem. “Desde o princípio, Deus criou o homem e o entregou ao poder de suas próprias decisões. Se você quiser, observará os mandamentos, e sua fidelidade vai depender da boa vontade que você mesmo tiver. Ele pôs você diante do fogo e da água, e você poderá estender a mão para aquilo que quiser.” (Eclo 15, 15-17). Mas, iluminado pela fé, o fiel deve escolher a vontade de Deus para ser feliz: “eu lhe propus a vida ou a morte, a bênção ou a maldição. Escolha, portanto, a vida, para que você e seus descendentes possam viver, amando a Javé seu Deus, obedecendo-lhe e apegando-se a ele, porque ele é a sua vida e o prolongamento de seus dias” (Dt 30,19-20).

A liberdade é dom que nos foi concedido (potencial) e, ao mesmo tempo, é tarefa, responsabilidade, porque não é pronta; para podermos usufruir dela é preciso amadurecimento, esforço, discernimento, senso de responsabilidade! Os discípulos de Emaús saíram da própria prisão à medida que caminhavam na companhia do Ressuscitado que os educava, abria-lhes a inteligência. O ser humano, desde o ventre materno, é chamado a ser livre! Esse é um dos vínculos mais profundos com seu Criador que é a suma Liberdade, Verdade e Bem supremo.

  1. Liberdade, Cruz e glória

A páscoa está vinculada à liberdade e à responsabilidade. Recordemos o que disse Jesus: “o Pai me ama, porque dou a minha vida para retomá-la” (Jo 10,17); “Ninguém a tira de mim; mas eu a entrego, dou livremente” (Jo 10,18).

O mistério da páscoa nos educa para dar sentido à cruz. Em Jesus de Nazaré temos a chave para interpretar os mistérios da vida, do sofrimento e da morte. Dessa forma, à luz da páscoa, podemos compreender que a verdadeira liberdade também é capaz de abraçar a cruz, o sofrimento e o martírio por amor. Quem por primeiros nos ensina isso é o próprio Deus com sua iniciativa de amor (cf. Jo 3,16; 1Jo 4,19). 

A fé liberta o dinamismo da liberdade e a leva a não ser refém das paixões e nem da lógica autodefensiva que rejeita o sofrimento (cruz). Foi esse o horizonte que Jesus apresentou aos gregos que andavam em Jerusalém dizendo “queremos ver Jesus”. Jesus lhes propôs, com firmeza e decididamente, a necessidade de ultrapassarem a lógica da razão e a abraçarem aquela do grão de trigo que morre para dar vida, em vez de ficar intacto e esperar a glória. Esse “grão” é o próprio Jesus. A liberdade, iluminada pela Páscoa, gera  desapego, gratuidade, serviço (cf. Jo 12, 25-26).

Para os “filósofos da morte de Deus”, pensadores declaradamente ateus e críticos da religião (como Georg Hegel, Karl Marx, Friederic Nietzsche, Jean Paul Sartre, Freud… etc.) a fé conflita com a liberdade humana; por isso, não davam espaço para Deus. Para eles, ateísmo e liberdade caminham juntos. Todavia, aos olhos da páscoa, Deus não é um concorrente do homem: “Nele que vivemos, nos movemos e existimos” (At 17,28). A fé em Deus não nega a liberdade humana, ao contrário, a possibilita, a potencia, a enobrece, a robustece, a orienta, convida-a à transcendência.

  1. A liberdade dos filhos de Deus

Muitos hoje, em nome da própria liberdade, vivem na escravidão. Esse fato acontece por um grave erro de desconexão entre liberdade e verdade.  A experiência da verdadeira liberdade é consequência da harmonização da vontade com a verdade, porque a Verdade Liberta (cf. Jo 12, 32-33). A finalidade da liberdade livre é capacitar a vontade para o amor.  Quem não é livre não ama.

Segundo São Paulo, o verdadeiro sentido da liberdade do discípulo de Jesus Cristo está na sua dependência do dinamismo do Espírito de Deus. Quem Nele vive sua liberdade não se torna submisso aos instintos egoístas, mas coloca-se a serviço dos outros através do amor (cf. Gl 5, 12-15).

Aquele que ainda não entendeu o sentido da liberdade, alerta São Pedro, usa da mesma para promover a própria escravidão. Mas, ao contrário, a liberdade autêntica nos leva a sermos servos de Deus promovendo o nosso bem e a promoção dos outros (cf. 1Pe 2,16).

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual relação há entre Páscoa e Liberdade?
  2. O que significa dizer que a liberdade é dom e tarefa?
  3. Qual é a diferença entre livre arbítrio e liberdade?

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