A graça da vocação e do envio

Deus é criativo em seu modo de abordar cada homem e cada mulher, apresentando seu projeto de salvação eserviço, ao mesmo tempo que respeita profundamente nossa liberdade, num diálogo de amor, mediado por pessoas e acontecimentos, de modo que ninguém se torne escravo de um destino cego. Existe, sim, um projeto de Deus que envolve a todos, sem exceção, como temos a alegria de ouvir na liturgia do presente final de semana: “Em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados diante dele, no amor. Conforme o desígnio benevolente de sua vontade, ele nos predestinou à adoção como filhos, por obra de Jesus Cristo, para o louvor de sua graça gloriosa, com que nos agraciou no seu bem-amado” (Ef 1,4-6). Vocação de perfeição e santidade, comunhão com Deus e com todos, vida cristã que se torna testemunho, para que o chamado chegue a todos, pois é nossa missão alcançar os confins da terra!

A vocação a ser pessoa, com toda a dignidade e respeito à diversidade existente, superando preconceitos e divisões, é fundamental, como consequência do mandamento recebido de amar a todos, como Jesus nos ama. Aberto se torna o horizonte quando pensamos em cada homem e cada mulher, na graça da vocação batismal, que conduz a pessoa a ser fermento, sal e luz no meio do mundo, e a maioria dos cristãos é convocada a isso, na vocação laical. Quanto ao modo de viver na Igreja, trata-se da vocação específica, como chamamos tantas vezes, propostas de Deus, segundo seu amor criativo. O resultado será o jardim da Igreja, com a beleza da vocação matrimonial, o chamado ao sacerdócio, ao Diaconado Permanente, à Vida Religiosa masculina e feminina, à consagração nas Comunidades de Vida e Aliança, à Consagração Virginal no meio do mundo, outras formas de serviço a Deus, como o Ministério da Catequese e a imensa variedade de dons e carismas existentes na Igreja, para o crescimento do Reino de Deus.
A Providência de Deus ofereceu-me ocasião privilegiada para refletir, avaliar e abrir novas perspectivas, ao celebrar no dia seis de julho os trinta anos de ordenação episcopal, pelo chamado que ele me fez através de São João Paulo II. Pude rever a história de minha vocação à vida cristã e ao sacerdócio, depois desdobrada no episcopado.

Tenho a alegria de vir de uma família católica, de bons princípios. Aos quatro anos, a ousadia infantil me conduziu a solicitar que meus pais me levassem ao Pároco. O pedido era singelo (!!!), pois queria ser padre e fazer a primeira comunhão, como se o ser padre viesse na frente! Depois de três domingos e muita insistência, escapando da vigilância dos pais após as Missas, o sacerdote me encaminhou a uma catequista de minha terra, Nova Lima – MG. Se eu conseguisse aprender o catecismo, e era um estilo diferente dos atuais modelos de catequese, poderia fazer a primeira comunhão. Para surpresa sua, aprendi antes das outras crianças, mesmo antes de ser alfabetizado. Resultado foi a primeira Comunhão no dia em que completei cinco anos. Quando cresci, este mesmo sacerdote declarou-me ter visto em meu pedido um sinal de Deus! Se me perguntam, devo dizer que, por graça de Deus, todas as Comunhões feitas de lá para cá foram conscientes. E o Altar se transformou no coração e fonte de tudo o que aconteceu até hoje em minha vida. O desejo de ser padre foi muito alimentado por outro sacerdote que, apenas ordenado, veio a ser vigário paroquial na mesma Paróquia, tornando-se depois meu padrinho de Crisma e mais tarde meu Reitor no Seminário Menor de Belo Horizonte, onde fui acolhido com dez anos de idade. E entrei para o Seminário para não mais sair!

Muito novo para a primeira Comunhão, para entrar no Seminário, para depois, com apenas vinte e três anos, ser ordenado sacerdote, vindo a suceder, em minha própria terra, o padre que tinha valorizado minha vocação. Ao final de mil novecentos e setenta e sete, depois de um Curso de Espiritualidade feito em Roma, fui nomeado Reitor do Seminário Maior de Belo Horizonte. No início, dos quinze seminaristas ali encontrados, oito eram mais velhos do que eu. Onze anos trabalhando na formação dos padres, tendo apresentado à Igreja de Belo Horizonte cinquenta e cinco novos sacerdotes, fazendo o Senhor com que eu me apaixonasse com o cultivo das vocações. Ao mesmo tempo, foram-me confiados outros serviços na Arquidiocese, e Deus, apenas ele, sabia o quanto me seria necessário tal aprendizado. Para confirmar a generosidade do Senhor, aos quarenta e um anos fui ordenado Bispo, para ser Auxiliar do grande Cardeal de Brasília, Dom José Freire Falcão. E Deus foi me plantando onde queria! Cinco anos passados em Brasília, quatorze anos na grande e saudosa Arquidiocese de Palmas, para chegar aos trinta anos de ordenação aqui em nossa querida Arquidiocese de Belém. Passam de duzentos os sacerdotes que tive a alegria de ordenar nestes trinta anos. Só tenho motivos para agradecer a Deus!
E junto com todos os que experimentam a graça do chamado, quero colher algumas flores do jardim do Evangelho, no chamado dos apóstolos, lido na liturgia do décimo quarto domingo do Tempo Comum (Mc 6,7-13). Outro texto do Evangelho nos apresenta pelos nomes aqueles que foram chamados, e a lista não se encerrou, pois, de uma forma ou de outra, todos nós ouvimos um chamado e fomos por ele enviados em missão, a partir da consciência de sermos discípulos! A partir dos doze apóstolos, todos somos chamados a ficar na companhia de Jesus!

Como aconteceu com eles, fomos chamados a caminhar juntos (Mc 6,7). Se os primeiros deviam ir dois a dois, a comunhão e a partilha se revelaram parâmetros necessários para o envio missionário! E se todo trabalho de Igreja exige meios materiais, preparação, esforço, tempo, dinheiro e daí por diante, os que se reconhecem discípulos missionários hão de ouvir o apelo do Senhor e viver com o estritamente necessário! Desapego, liberdade em relação aos bens, prontidão para a partilha. Vale experimentar carteiras ou bolsas vazias, para nos surpreendermos com a festa da Providência Divina.
Um poder lhes foi concedido, sobre o mal e o demônio, que deviam expulsar. Mesmo quem não tem o ministério do exorcismo recebe a missão de vencer o mal, as tentações e o demônio. Exorcizar é enfrentar corajosamente as nossas conversões adiadas. Mas também prodigalizar ânimo e consolação, perdão, denúncia do mal. Nasce a alegria em quem se libertou do demônio! E o melhor exorcismo está na boca de quem sabe bendizer!
Ele os enviou a pregar que todos se convertessem (Mc 8,12). Sabemos que o anúncio da Palavra é vocação, mas também tormento, pois ela incomoda e suscita mudanças! Um modo de encontrar repouso, é dar primazia à Palavra, para que ela seja a alegria do nosso coração. Somos chamados, em qualquer vocação, a ter os mesmos sentimentos de Cristo. Intimidade e Missão, duas faces da moeda! O amigo é enviado e o enviado é o amigo.
A cura acompanha os discípulos missionários (Mc 8,13). Perdão dos pecados, serviço aos mais pobres, cuidados com a saúde, dom de cura interior, o dom dos milagres, concedido a muitos cristãos, na força do Espírito que nos acompanha. Certamente tantos de nós já experimentaram a graça de serem instrumentos de Deus a favor do próximo!

Aproveitemos a graça da Palavra proclamada e façamos juntos uma corajosa revisão de nossa disponibilidade, nossa resposta e o bem que podemos fazer, sem perder tempo (Cf. Mc 8,10-11)!

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