Introdução
Continuemos nossa reflexão sobre a significatividade do Círio de Nazaré para a Igreja Católica e para toda a Sociedade Belenense, especificamente. Já afirmamos a necessidade de reconhecermos a pluridimensionalidade desse evento de certificação internacional, uma vez que em dezembro de 2013 foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO.
Desta vez, reflitamos sobre as dimensões ética e afetiva desse evento. Essas dimensões brotam do natural dinamismo da nossa paixão pelo bem, atração pelo mistério e vocação para a prática das virtudes. Há uma íntima relação entre fé, amor, justiça e ética. A afetividade do Círio permeia as relações entre pessoas e instituições, cultura e religião, fiéis e lideranças, transformando o clima das famílias e comunidades.
A autenticidade da experiência religiosa alarga a nossa dimensão afetiva. Onde se rompe o entrelaçamento entre fé e amor, se escorrega para o fundamentalismo, intolerância, alienação. O Salmo 85,11 nos alerta: “Amor e Verdade se encontram, Justiça e Paz se abraçam”.
O Círio, por ser um evento religioso, está carregado de sensibilidade ética e afetiva: os amigos se encontram, as famílias se reúnem; peregrinos são acolhidos, promesseiros ajudados, sedentos satisfeitos, famintos saciados; as instituições visitadas renovam seus nobres ideais de prestação de dignos serviços à sociedade. O Círio é um mar de irmãos na fé que, fraternalmente, caminham juntos e acompanhados pela mãe de Deus.
Não é admissível na espiritualidade cristã que o culto seja desconectado da experiência do Amor. “Um novo mandamento dou a vocês: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros” (Jo 13,34). Na perspectiva cristã todo e qualquer ato religioso que não esteja profundamente afinado com a sensibilidade de Jesus Cristo, cai no vazio. A essência da vida de Jesus Cristo foi a compaixão, o respeito, o cuidado para com todos, a delicadeza, a tolerância, a defesa dos injustiçados, etc.
O Círio deve ser para todos aqueles que dele participam, uma forma de experiência de Deus, o Bem supremo e, por isso, é oportunidade para a revitalização dos nossos compromissos com a promoção do bem, a amizade social, a prática da solidariedade.
O Círio representa uma chamada de atenção sobre os nossos rumos, para onde estamos caminhando. O percurso festivo, tranquilo e em clima suave de descida na transladação da basílica à catedral, poderia representar as belezas da vida com seus muitos momentos alegres e festivos. Mas nem tudo na vida é de descida! Por isso, há outro percurso a se fazer, que é aquele de subida da catedral à basílica, no calor do dia, em meio a sacrifícios, no aperto das relações que nos exigem calma e paciência. Somos provados na fé! As procissões são metáforas da vida para delas tirarmos lições!
Enfim, considerando a dimensão ética do Círio em todas as suas manifestações, não vale a hipocrisia, a ingratidão e nem frieza; não vale a condenação da consciência religiosa alheia e nem o uso da “Caridade” para se autopromover; não vale o proselitismo, a falta de oração e nem o esquecimento da Palavra de Deus. Também não é sinal de fé, só se lembrar da mãe de Deus no domingo do Círio e nunca participar da vida da Igreja! O Círio não vale para quem contraria a aliança entre fé e amor.