As lições da experiência de um acampamento

Foto: Luiz Estumano

 

De modo geral,a experiência dos acampamentos juvenis, de caráter pastoral, gera uma profunda atração nos jovens; para que possamos compreender esse fenômeno é necessário considerarmos a realidade que vivem milhões de jovens, atualmente, sobretudo no contexto urbano das grandes cidades.

Os jovens urbanos, respeitando a variedade de contextos, estão de modo geral, cada vez mais confinados em suas estruturas domésticas e tem pouca experiência de amizades e interação social; sentem-se movidos pela forte atração e ou dependência tecnológica, que os levam ao distanciamento do divertimento coletivo e a viverem uma vida artificializada, distantes da natureza. Sentem forte estresse nas relações familiares,oprimidos para terem bons resultados nos estudos e muitos vivem solitários na família. Fenômenos como a drogadição, a automutilação, o vazio existencial, a criminalidade são consequências de muitos fatores. No último acampamento do qual participei um jovem me disse: “isto para mim é uma espécie de experiência de paraíso!”

 

  1. Os jovens e a experiência do acampamento

O Setor Juventude da Arquidiocese de Belém promoveu o III Acampamento Juvenil Arquidiocesano nos dias 4 e 7 de julho (2024) para jovens de 15 a 29 anos. Vale a pena recordarmos os números dos participantes e refletir sobre eles: no I Acampamento (2022) participaram 470 jovens; no II, eram 1170 e no III estavam 1672. Essa significativa expressão numérica crescente nos convida à reflexão. Uma pergunta é inevitável: por que os jovens gostam desse tipo de evento?

Antes de tudo, porque eles estão de férias; isso significa que o dinamismo da pastoral juvenil deve levar em conta também a disponibilidade de tempo dos jovens; o tempo de férias dos jovens nos oferece a possibilidade da pastoral juvenil planejar e oferecer-lhes atividades pastorais extraordinárias. Em muitos ambientes, décadas atrás, era comum a promoção das colônias de férias; houve uma crise dessas atividades, mas se sente hoje a necessidade da reproposição delas. A sensibilidade pastoral e pedagógica da catequese deve também saber servir-se dos tempos de férias das crianças e dos adolescentes.

Os jovens gostam da experiência do acampamento porque a sua programação não está presa à rotina do cotidiano, mas lhes oferece experiências extraordinárias de novas aprendizagens através de atividades festivas, lúdicas, esportivas, culturais, religiosas; a atratividade dos acampamentos nos fala da necessidade de levarmos em conta a sensibilidade juvenil nas nossas propostas pastorais; isso se refere à linguagem, modos de relacionamento, tempos de atenção, ambientes educativos… A psicologia juvenil exige da pastoral juvenil uma visão mais aberta, dinâmicas criativas, metodologias ativas e envolventes, encontro com a natureza; gostam porque os jovens apreciam o desafio da adaptabilidade, da ação conjunta e competitiva e estão abertos a aprendizagem através de novas experiências.

 

  1. Interessantes referências bíblicas

Na Bíblia encontramos muitas referências sobre acampamentos; de modo particular encontramos duas categorias: há os acampamentos estratégicos enquanto agrupamento de combatentes em tempos de guerra e os acampamentos enquanto ambiente de convivência de um processo de deslocamento e libertação. Assim,Abraão, respondendo positivamente ao chamado de Deus, pôs-se a caminho rumo a Terra Prometida, parando “de acampamento em acampamento” (cf. Gn 12,9). Essa mesma dinâmica encontramos também no processo de saída do Egito. O processo libertário após a travessia do Mar Vermelho aconteceu também através de etapas, passo a passo, pouco a pouco, de acampamento em acampamento, atravessando territórios; algumas vezes na amizade com povos diferentes, outras vezes em graves conflitos.

A experiência do acampamento com as tendas no deserto, são metáforas da nossa existência humana, porque movidos pela fé, estamos em busca da pátria eterna.Neste mundo tudo é provisório e,por isso,não temos estruturas definitivas, mas somente tendas. A imagem da tenda e do acampamento nos chama a atenção para a consciência da provisoriedade da vida neste mundo e para a necessidade do olhar para frente porque estamos caminhando e não devemos nos apegar a nada que nos impeça de chegar ao santuário celeste, nossa pátria definitiva. De fato, é isso que nos diz a Carta aos Hebreus: movidos pela fé, confessamos que somos estrangeiros e peregrinos sobre a terra e estamos a caminho da nossa pátria definitiva (cf. Hb 11,13-14). Estamos acampados neste mundo e a qualquer momento nossa tenda pode ser desfeita!

O acampamento nos apresenta a ideia de que a nossa vida de fé não é uma corrida imediatista, instantânea, isolada,mas é uma experiência comunitária, que implica fases e processo de amadurecimento com seus desafios, tentações, conquistas, conflitos e perdas. No deserto, apesar da grande preocupação de Moisés e seus colaboradores com a higiene física, moral e religiosa dos acampamentos, também neles aconteciam coisas desagradáveis (cf. Ex 32; Nm 14-16). No acampamento aparecem também as marcas das fragilidades humanas como em toda comunidade, sociedade e instituição. Em todas as dinâmicas humanas, o “joio e o trigo” estão sempre presentes (cf.Mt 13,24-30).

Mas o acampamento era,sobretudo,lugar da experiência de Deus (cf. Gn 32,3; Dt 23,15); acompanhando os homens, o acampamento se torna também a casa de Deus, ambiente das suas múltiplas manifestações. O acampamento é espaço no qual se manifesta a generosa bondade da Providência Divina que conforta, fortalece, alimenta o seu povo (cf. Ex 16,13; Nm11,9). O acampamento também é lugar de convocação, de chamada vocacional, de serviço e também de espaço para profecias (cf. Nm 11,26-27);o acampamento é lugar da experiência da convivência fraterna e da santidade (cf. Dt 23,15).

O sentido bíblico do acampamento nos convida a pensar na vida de fé como peregrinação, processos, caminhada, desenvolvimento, esforço virtuoso para superar limitações e as tentações do estacionamento;o sentido bíblico do acampamento nos estimula acrescer na virtude da adaptabilidade encarando desafios, abraçando sacrifícios, acolhendo o novo, cultivando o otimismo, conservando a liberdade, reforçando a vida fraterna.

 

  1. Algumas questões importantes

A experiência da participação dos jovens no III Acampamento Juvenil Arquidiocesano(Belém) foi muito bem avaliada por seus participantes, colaboradores e nos ofereceu alguns dados dignos de reflexões para a pastoral juvenil.

  • A qualidade de um evento pastoral depende, primordialmente, da seriedade e da clareza do seu projeto e da sintonia de todos os seus colaboradores envolvidos;
  • Não basta assegurar a qualidade técnica de um evento pastoral, é necessário que haja uma forte dimensão socioafetiva, motivação, diversidade de conteúdos e experiências, leveza na programação, articulação de lideranças, ousadia pedagógico-pastoral;
  • Não basta movimentos, é necessário dar tempo para a escuta, meditação e oração, por isso, é de extrema importância a disponibilidade do maior número possível de confessores e orientadores (psicólogos) antenados com a psicologia juvenil; o acampamento também é espaço para a experiência da orientação espiritual,do discernimento moral, de tomadas de decisão, conversão, provocação vocacional, estímulo ao sentido da vida.
  • É bom que o acampamento seja uma experiência aberta a todos e não somente para os bonzinhos, porque tem como finalidade a promoção da formação humana e da evangelização; essa abertura propicia a participação de jovens de outras Igrejas e são muitos os jovens evangélicos que estão buscando amparo na Igreja Católica em processo de conversão.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – Você já participou de algum acampamento, como foi a experiência?
2 – Por que, muitas vezes, temos medo de ousar pastoralmente?
3 – Como podemos crescer na propositividade pastoral em relação ao tempo de férias do nossos adolescentes e jovens?

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