Mesmo à distância de tantos anos, impressiona-nos a atualidade das constatações do Concílio Vaticano II, na introdução da Constituição Gaudium et spes, que descreve profeticamente a mudança de época de nossos dias: “A humanidade vive hoje uma fase nova da sua história, com profundas e rápidas transformações… Provocadas pela inteligência e atividade criadora do homem, elas reincidem sobre o mesmo homem, sobre os seus juízos e desejos individuais e coletivos, sobre os seus modos de pensar e agir, tanto em relação às coisas como às pessoas. Podemos já falar duma verdadeira transformação social e cultural, que se reflete também na vida religiosa. Como acontece em qualquer crise de crescimento, esta transformação traz consigo não pequenas dificuldades. Assim, o homem, que tão imensamente alarga o próprio poder, nem sempre é capaz de colocá-lo a serviço da própria humanidade. Ao procurar penetrar no interior de si mesmo, aparece frequentemente mais incerto a seu próprio respeito. E, descobrindo gradualmente com maior clareza as leis da vida social, hesita quanto à direção a tomar. Nunca o gênero humano teve ao seu dispor tão grande abundância de riquezas, possibilidades e poderio econômico; e, no entanto, uma imensa parte dos habitantes da terra é atormentada pela fome e pela miséria… Nunca os homens tiveram um tão vivo sentido da liberdade como hoje, em que surgem novas formas de servidão social e psicológica. Ao mesmo tempo que o mundo experimenta intensamente a própria unidade e a interdependência mútua dos seus membros na solidariedade necessária, ei-lo gravemente dilacerado por forças antagônicas; persistem ainda, com efeito, agudos conflitos políticos, sociais, econômicos, raciais e ideológicos… Aumenta o intercâmbio das ideias, mas as próprias palavras com que se exprimem conceitos da maior importância assumem sentidos diferentes segundo as diversas ideologias. Finalmente, procura-se com todo o empenho uma ordem temporal mais perfeita, mas sem que a acompanhe um progresso espiritual proporcionado” (Cf. Gaudium et spes 4).

Um olhar apenas humano, ainda que justificado por muitos fatos, pode dizer que os tempos que vivemos são maus. Não são raras as pessoas que entreveem até o fim dos tempos nos acontecimentos atuais, numa longa agonia que deixa perplexa toda a humanidade, quando poderíamos imaginá-la capaz de resolver todos os seus problemas, dado o crescimento dos conhecimentos e a incrível capacidade das nações e dos poderes econômicos. De repente, todos estão caídos por terra, desejosos de uma luz que lhes possibilite enxergar os passos a serem dados. O chamado “novo normal” tão esperado certamente será muito diferente e extremamente exigente, de modo que nossas cabeças e nossas vidas serão obrigatoriamente reprogramadas, sejam quais forem as consequências do que vivemos hoje.

Já no Antigo Testamento, o autor do Eclesiastes refletia sobre o tempo, nem sempre com muito otimismo! “Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para cada coisa debaixo do céu: tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de curar; tempo de destruir e tempo de construir; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar; tempo de espalhar pedras e tempo de as ajuntar; tempo de abraçar e tempo de se afastar dos abraços; tempo de procurar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de jogar fora; tempo de rasgar e tempo de costurar; tempo de calar e tempo de falar; tempo do amor e tempo do ódio; tempo da guerra e tempo da paz” (Eclesiastes 3,1-8). Não nos convém transformar tais palavras num fatalismo destruidor, com o qual as pessoas venham simplesmente a se renderem diante dos fatos e acontecimentos, mas reconhecer a existência de situações difíceis e até contraditórias.

A plenitude dos tempos (Cf. Gl 4,4) veio com a Encarnação do Verbo de Deus e seu mistério pascal de morte e ressurreição, quando tudo ganhou um sentido novo. Em Jesus Cristo e só nele se encontra o sentido da vida das pessoas e o rumo para o mundo. Daí a busca de caminhos para reagirmos no tempo presente!

Quando chegaram pessoas de longe com o desejo de “ver Jesus” (Jo 12,20-33), ele mesmo anuncia que chegou a hora de sua glorificação. E estava para acontecer sua prisão, condenação e morte! Aos gregos que chegam, Jesus logo propõe perder a vida, no serviço e na entrega da existência, como o grão de trigo caído e morto na terra. Cada situação crítica na história pessoal ou da humanidade pede a saída de nós mesmos. Será livre e feliz quem se dispuser a entregar a sua vida. No meio de tantas dores geradas pela presente pandemia, consegue superar as dificuldades quem vai ao encontro dos outros, começando da própria família. Pensemos em nossa capacidade de rever nosso relacionamento familiar, descubramos os caminhos para consolar os que sofrem, dediquemo-nos nestes dias à oração em família, redescubramos a riqueza da Palavra de Deus e multipliquemos os gestos de fraternidade e solidariedade.

O tempo presente, que a carta aos Hebreus (Hb 3,13) chama de “hoje” nos leve justamente a não perder tempo, mas lançarmos mão de todos os imensos recursos plantados por Deus em nossa alma, para passar continuamente da morte à vida, lembrando-nos de que recebemos esta graça na fonte batismal. Poderemos então desde já cantar com o salmista: “Quando o Senhor reconduziu nossos cativos, parecíamos sonhar; encheu-se de sorrisos nossa boca, nossos lábios, de canções. Entre os gentios se dizia: ‘Maravilhas fez com eles o Senhor!’ Sim, maravilhas fez conosco o Senhor, exultemos de alegria! Mudai a nossa sorte, ó Senhor, como torrentes no deserto. Os que lançam as sementes entre lágrimas, ceifarão com alegria. Chorando de tristeza sairão, espalhando suas sementes; cantando de alegria voltarão, carregando os seus feixes” (Salmo 125,1-6).

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