“A Igreja de Belém toma a peito o dever da evangelização em todos os ambientes, nas cidades, em suas áreas paroquiais, áreas missionárias e periferias existenciais. “Não pode haver verdadeira evangelização sem o anúncio explícito de Jesus como Senhor e sem existir uma ‘primazia do anúncio de Jesus Cristo em qualquer trabalho de evangelização’” (Cf. Ecclesia in Asis, 19). O trabalho do anúncio do Evangelho é dever de todo batizado, e não só da hierarquia da Igreja, pois, configurado a Cristo pelo batismo, assume a missão evangelizadora, tornando esta mesma Igreja como “casa de portas abertas”, como povo de Deus peregrino e missionário, que anuncia Jesus Cristo, sua salvação e a instauração de seu Reino. Sendo assim, cada batizado deve participar na evangelização e esteja disponível para a missão através do seu testemunho de vida. E que este testemunho de vida, com o sabor do Evangelho. São Paulo VI reafirma a identidade da Igreja, que existe para evangelizar: “Sim! A pregação, a proclamação verbal duma mensagem, permanece sempre como algo indispensável. A Palavra é sempre atual, sobretudo quando portadora da força divina. É por este motivo que permanece também com atualidade o axioma de São Paulo: “A fé vem da pregação” (Rom 10, 17). É a Palavra ouvida que leva a acreditar” (Cf. Evangelii Nuntiandi, 42). Este é um dos grandes desafios para a Evangelização em nosso tempo, a busca de objetivos comuns e a superação da desconfiança e dos julgamentos entre pessoas e grupos, em vista do valor do Reino de Deus. A unidade pastoral poderá ser alcançada na medida em que aprendermos a conviver com as diferenças. Valha a proposta de Santo Agostinho: “No essencial, a unidade; na dúvida, a liberdade; em tudo, a caridade.”
Um dos passos a serem dados para alcançar um objetivo tão alto quanto importante é o exercício contínuo do perdão e da misericórdia (Cf. Mt 18,21-35). E começamos com a aceitação das diferenças entre gerações, temperamentos, estados de vida, condições de vida e trabalho. Um olhar caridoso e positivo nos conduzirá a entendê-las como dons a serem reciprocamente compartilhados e não como competição, inveja ou ciúme. Ter ângulos diferentes na percepção das coisas é nosso direito e até dever, para fazermos frutificar tudo o que recebemos do Senhor. Entretanto, quando uma ideia ou proposta apresentada chega com argumentos de autoridade, ou pior, autoritarismo, fecha-se o coração de todas as pessoas envolvidas. O que o Papa chama de exercício sinodal dá muito trabalho, exige esvaziamento de corações, disposição para oferecer o próprio ponto de vista, com a disposição para perdê-lo. É de Santa Catarina a indicação de que é melhor o menos perfeito em unidade do que o eventualmente mais perfeito sozinho. Pior ainda se for imposto, como se uma pessoa sozinha fosse proprietária do discernimento. Quando estamos insistindo na criação dos diversos Conselhos nas Paróquias, sabemos que o percurso é muito exigente, mas essencial para a comunhão necessária, a fim de colocarmos em prática a Palavra do Senhor na Oração Sacerdotal: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
Ao identificar as diferenças, virá logo à tona o mistério da iniquidade, que nos ronda a todos, sem exceção. Todas as pessoas são convidadas à penitência e à conversão, com revisão sincera e corajosa de sua vida e atitudes. Quando Pedro faz a pergunta a Jesus sobre a “tabela” do perdão, a resposta (Mt 18,21) faz pensar num perdão incontável, sempre! Setenta vezes sete vezes! Será bom perceber que nem sempre podemos exigir de pessoas que não compartilham a fé cristã, e não é difícil encontrá-las em nossos dias, mesmo em terras, como a nossa, de séculos de evangelização, o perdão pedido pelo Evangelho. Nós cristãos é que devemos praticar este nível de perdão, para um verdadeiro saneamento das relações dentro das Comunidades cristãs de qualquer dimensão. Haveremos de demonstrar com a vida que o perdão e a reconciliação, também humanamente e politicamente falando, constituem-se como o caminho mais eficaz para pôr um fim a tantos conflitos, com maior eficácia do que a vingança e a represália, para quebrar a corrente de ódio e de violência, ao invés de oferecer mais um elo nesta terrível onda existente na sociedade.
O rei a que se refere o Evangelho (Mt 18,21-35) é a figura do Pai que perdoa sempre, mas pede de todos nós a disposição para a misericórdia e o perdão, dirigida a todos aqueles que, nossos irmãos na categoria de servos reciprocamente, queremos assumir os valores do Evangelho. Não é necessário medir o tamanho do perdão de Deus, pois é infinito, mas rever o quanto compreendemos, perdoamos e estendemos as mãos para reerguer os que caíram, mesmo que os consideremos diferentes, frágeis demais ou até pecadores inveterados!
Ao aproximar-se o Círio de Nazaré, ocasião privilegiada de encontro entre as pessoas, quando o manto de Nossa Senhora se abre para acolher a todos, ao conduzir, como sinal de esperança, todos os homens e mulheres a Jesus, foi-me feita uma pergunta sobre nosso ambiente tão mariano e, ao mesmo tempo, tão carregado pela violência urbana. Mesmo sem sabermos a resposta completa, pois se trata do mistério da iniquidade a que nos referimos, é tempo oportuno para um desarmamento dos ânimos, superação da desconfiança, tempo para acreditar nos gestos tão simples como os que, machucados pelas feridas físicas e morais, ou pela miséria humana, ou, quem sabe, carregando um pesado fardo de suas crises e problemas pessoais, que não conhecemos, querem agarrar-se à corda da misericórdia e do acolhimento que a Igreja quer oferecer-lhes, no abraço dado, em nome do Senhor, e com os braços e o colo da Mãe da Misericórdia, mensageira do amor de Cristo.
Recordemos palavras da Escritura que já nos ajudaram a ressignificar a bela tradição da corda do Círio de Nazaré: “Eu os envolvi com laços de amizade, eu os amarrei com cordas de amor; fazia com eles como quem pega uma criança ao colo e a traz até junto ao rosto. Para dar-lhes de comer eu me abaixava até eles” (Os 11,4).