Desafios para a pastoral juvenil: revitalizar a sensibilidade existencial (parte 2)

Jovens viver a missão pastoral não apenas em locais de culto


Introdução

O princípio da encarnação do Filho de Deus, que o fez assumir a totalidade da realidade humana, nos convoca a refletir sobre a exigência de uma pastoral juvenil profundamente encarnada no mundo dos jovens. Quando pensamos na vida dos jovens, não podemos ficar no abstrato. É necessário considerar as múltiplas realidades das juventudes, com suas “alegrias e esperanças, tristezas e angústias” (GS,1), para nelas proclamar a Palavra de Deus.

As realidades juvenis tem muitas dimensões: psicológica, sociocultural, econômica, familiar, religiosa, política, vocacional, profissional, etc. A diversidade dessas dimensões compõe a realidade existencial de cada jovem. Considerar a vida concreta do jovem é necessário para que a apresentação da pessoa de Jesus Cristo lhe seja atraente, significativa, impactante. Não se pode evangelizar sem considerar a realidade do evangelizando.

1 – As atitudes de Jesus
Jesus Cristo nos educa para o encontro com as pessoas na concretude de suas vidas, no cotidiano de suas lutas, no clamor das suas inquietudes, com seus sofrimentos e esperanças. É justamente isso que vamos encontrar em diversos fatos de Jesus; Nicodemos (cf. Jo 3,1-2) foi ao encontro de Jesus, mas este se adaptou ao seu tempo para ouvi-lo; no encontro com a mulher samaritana (cf. Jo 4,1-29) Jesus se interessou por sua vida concreta questionando seu modo de pensar; encontrando-se com Zaqueu, Jesus desceu ao submundo da sua vida pessoal e familiar (cf. Lc 19,1-8) e, daí, emergiu um homem novo; Levi foi encontrado no cotidiano da sua vida profissional (cf. Mt 9,9) e, apesar de ser malvisto pela sociedade, Jesus percebeu a sua identidade digna de respeito e crédito.

A narração sobre os discípulos de Emaús (cf. Lc 24,13-33) é permeada por esse senso de sensibilidade existencial por parte de Jesus Cristo; eles estavam desiludidos e, indignados, se afastavam da comunidade dos discípulos tomando outra direção. Muito impactante é o encontro de Jesus com o homem endemoninhado de Gerasa, que vivia no cemitério, era agressivo e se feria com pedras (cf. Mc 5,1-5). A libertação dele aconteceu dentro do seu contexto de vida.

Muito provocante é o dinamismo missionário do Filho de Deus como nos apresenta os evangelhos afirmando que Jesus percorria regiões, cidades, aldeias, territórios pagãos, entrava nas sinagogas, pregava o Evangelho do Reino de Deus, se compadecia do sofrimento humano e curava as pessoas de suas enfermidades (cf. Mt 4,23;9,25; Mc 5,1; 6,6; Lc 3,3;9,6; Jo 7,1). Dessa forma, Jesus dava respostas específicas conforme a realidade concreta das pessoas.

Jesus não foi um mero pregador de maravilhosos ideais, nem um frio doutrinalista, mas alguém profundamente humano que conhecia a realidade das pessoas; Jesus se aproximava gratuitamente delas, instaurava diálogo com elas, se interessava por suas vidas, fazia intervenções educativas, demonstrava empatia, fazia caminho, estimulava processos de mudanças, visitava famílias, personalizava encontros. A pedagogia de Jesus nos diz que somente fazendo caminho com os jovens, acompanhando-os em suas angústias e decepções, fazendo a experiência da empatia e da compaixão (amor proativo), será possível a evangelização deles.

2 – Os olhos da Pastoral juvenil
Nos Evangelhos vamos encontrar muitas vezes referências à sensibilidade de Jesus que, não só via as pessoas, mas também percebia o estado ou a situação em que elas se encontravam. Esse é sempre o ponto de partida para a total transformação delas. Nenhuma situação humana foi rejeitada por Jesus, o Bom Pastor da humanidade, pois veio para dar a vida plena para todos (cf. Jo 10,10); por isso, diante dos fariseus na casa de Mateus, sendo acusado de comer com os publicanos e pecadores, declarou: “Não são os que estão bem que precisam de médico, mas sim os doentes… Eu quero a misericórdia e não o sacrifício. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,12-13). Seguindo e imitando a sensibilidade de Jesus, a Pastoral Juvenil nunca deverá afastar-se das realidades dos jovens, caso contrário, cairá na frieza de bons conselhos ou ficará na pura formalidade litúrgica, mas não causará impacto na vida deles.

Recordemos também que o olhar de Jesus era sensível, não pessimista, nem criticista, mas capaz de perceber o positivo, os recursos e a boa vontade das pessoas. No deserto, por exemplo, em meio a tantos males, Jesus identificou bons recursos no meio do povo e pediu aos discípulos uma resposta para aquele problema (cf. Mc 6,37); percebeu o gesto de fé de um grupo carregando um paralítico (cf. Mc 2,1-4); reconheceu o esforço dos discípulos remando contra o vento em alto mar e foi estar com eles (cf. Mc 6,48); viu a boa vontade de quem queria segui-lo e os desafiou (cf. Jo 1,38), etc. Essas atitudes de Jesus são carregadas de uma percepção otimista da realidade, sem negar os problemas. Jesus nos convida a evitar o pessimismo ao contemplar o mundo juvenil.

3 – Revitalizar a sensibilidade existencial
Temos graves problemas que estão atingindo a vida das juventudes em variados contextos, no campo e na cidade, com diversidade de fenômenos como o vazio existencial, a fragilidade psicológica; a pobreza, a miséria e a criminalidade individual e organizada; o desânimo, a dependência alcoólica, química e digital; a indiferença religiosa, a dificuldade de entender e aceitar a dimensão institucional da religião e o ateísmo; a fragilidade da saúde mental, a automutilação, a depressão e o suicídio; a intolerância às frustrações, a ansiedade, a impaciência, o abandono dos estudos; a instabilidade de humor, a rebeldia, o medo de assumir responsabilidades definitivas, etc. Os jovens precisam de cuidado!

A pastoral juvenil é instrumento através do qual se pode chegar aos jovens, de diversos modos, a Palavra de Deus, na situação em que eles se encontram. Nem sempre esse processo começa dentro de um templo. Por isso, a Pastoral juvenil não deve se fixar nos ambientes de cultos. Isso vale para todas as pastorais inspiradas na missionariedade. Corremos o risco de nos contentarmos com a pastoral dos convertidos, dos bons, dos santinhos. Os agentes da Pastoral juvenil, sobretudo, sacerdotes, assessores leigos e consagrados, não devem ter medo dessa realidade mesclada de “joio e trigo”.

É preciso dar atenção à pessoa do jovem e não ter medo de acolhê-lo na situação em que ele se encontra e conhecendo suas inquietudes. A pandemia nos trouxe muitas lições e convidou a todos os agentes de pastorais a crescerem na capacidade do cuidado. Mas só será capaz de cuidar, quem se deixa sensibilizar. Sem isso não haverá compaixão, mas somente críticas, pessimismo, descrédito. Diz o ditado popular que “longe dos olhos é longe do coração”. É talvez isso que esteja acontecendo em diversos contextos eclesiais. O mais grave é quando jovens líderes (sacerdotes, consagrados e até seminaristas) assumem atitudes marcadas pelo distanciamento afetivo dos jovens. Os jovens não precisam somente da liturgia, mas sobretudo, de atenção, escuta, incentivo, responsabilidades; os jovens precisam ser percebidos, valorizados naquilo em que eles podem contribuir na riqueza de suas possibilidades, maturidade, desafiados em seus múltiplos recursos.

Nesse universo de situações juvenis merece destaque o fato da pouca atenção a grupos que clamam por mais atenção pastoral específica por causa da situação concreta em que vivem com seus dramas próprios como a juventude afrodescendente, a juventude indígena, os jovens encarcerados, a população juvenil LGBTQIA+, os jovens migrantes e refugiados (cresce cada vez mais o número de jovens estrangeiros no Brasil). De que forma estamos indo ao encontro dessas categorias de jovens?

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – O que Jesus quis dizer quando afirmou: “tenho ainda outras ovelhas que não estão neste curral; também a elas eu devo apascentá-las” (Jo 10,16)?
2 – Como está a sensibilidade existencial da pastoral juvenil em sua paróquia, comunidade, carisma. Tem ardor missionário e senso de compaixão para com os jovens mais afastados da Igreja?
3 – Por que a autêntica pastoral não deve se acomodar, nem se contentar com o cuidado dos bonzinhos?

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