Introdução
Além dos fundamentos antropológicos e éticos, a Doutrina Social da Igreja tem também fundamentos bíblicos. A fé judaica é caracterizada por uma profunda sensibilidade social. Deus não só se interessa pelo indivíduo, mas também pelo povo e, por todas as condições sociais necessárias para que viva com dignidade. Isso diz respeito às realidades como a família,a política, economia, religião, trabalho, ciências, comércio, meio ambiente etc.
A ideia de que a Igreja deve ficar na sacristia nunca encontrou respaldo bíblico, pelo contrário, pela história do povo de Israel, podemos perceber com muita clareza a insistente e contínua chamada de atenção sobre a não dicotomia entre social e o privado, fé e vida, o culto e a justiça, o governo e o povo, etc.
As Sagradas Escrituras, assumidas e autenticamente interpretadas como Palavra de Deus, tem para nós cristãos, uma valência normativa. Por isso é de fundamental importância considerarmos os dados da Sagrada Escritura para que a catequese no seu dinamismo formativo, seja uma fonte incessante de promoção da sensibilidade social dos catequizando em qualquer nível catequético.
1 – A Bíblia e as questões sociais
Uma verdade que muitos teólogos sustentam e repetem é quem a Bíblia não é um manual de teologia; muito mais que isso ela é a narração da história de um povo de fé e da fé que permeava a vida de um povo envolvendo todas as dimensões humanas nos mais variados contextos existenciais. Portanto, a diversidade de temas de moral social que encontramos na Bíblia, não são teorizados, teologizados, refletidos. Por isso não encontramos na Bíblia tratados sistemáticos sobre temas sociais. Mas estão presentes!Todavia, as múltiplas realidades e eventos são sempre confrontados com a vontade de Deus.
Na tradição bíblica não há uma noção dualista do ser humano (divisão, separação entre corpo e alma), tão forte na filosofia grega. Nessa tradição filosófica platônica, o ser humano é um composto de corpo e alma, mas o corpo está em constante luta contra a alma. E a salvação consistiria na libertação da alma da sua prisão, que é o corpo. Nesse sentido, a religião deveria se ocupar da alma, na luta contra as tentações materiais e corporais.
Na Bíblia, pelo contrário, Deus se apresenta como doador da vida que se preocupa com a vida integral do ser humano. Além dos mais variados temas sociais encontramos também preocupação com a saúde física (cf. Eclo 30,14-15) e com a medicina (cf. Eclo 38,1-9).O Decálogo, faz a síntese da íntima relação entre o amor a Deus e ao próximo (cf. Ex 20,1-21). Assim, a prática da justiça é sinal de autenticidade do culto (cf. Is 1,10-21).
“Na tradição bíblica, a contradição fundamental não é da alma x corpo; mas sim a da vida x morte”. É por isso que Jesus diz: “Eu vim para que todos tenham a vida, e a tenham em abundância “(Jo 10,10). Por isso,o evangelho de Mateus (cf. Mt 25,31-46) nos ensina que a promoção do conjunto de condições e das necessidades humanas que possibilitam a manutenção da vida, são exigências básicas de amor ao próximo. A vivência da fé passa pela promoção do cuidado em suas condições elementares como proporcionar ao outro aquilo que lhe é básico como dar-lhe comida, bebida, roupa, moradia, saúde, afeto, acolhida etc.
Nisso tudo está a economia, o trabalho, a ciência etc. A produção, distribuição e o consumo dos bens materiais fazem parte do campo da economia, mas ao mesmo tempo são demandas da justiça e da prática da fé. Sendo assim, na concepção bíblica de Deus, não há contradição entre teologia, economia, trabalho, justiça. Muito pelo contrário, quem conhece o Deus da Vida, defende a vida ameaçada pelas forças da morte e se “intromete” na economia, na política, no mundo do trabalho etc.
2 – A defesa dos pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros
A categoria “pobre” na Bíblia tem um significado muito mais amplo do que aquela conotação econômica, no sentido de carência material, mas tem também um sentido moral-espiritual sendo sinônimo de quem é simples, aberto a Deus, generoso, desapegado… Pobre pode ser também aquele que está na condição de desamparado, injustiçado, oprimido, fraco, indefeso, sem seguranças.
O orante, nos salmos de lamentação individual, apresenta-se como “pobre e miserável”, isto é, injustiçado por sua fidelidade a Deus e totalmente dependente de Deus, a quem implora auxílio. É o caso do grande Jó. O pobre bíblico é aquele que se sente dependente de Deus, que deposita nele sua esperança não obstante a falta ou abundância de bens terrenos (cf. Jó, Sl 3,4,5,9,10).
As viúvas, órfãos e estrangeiros reúnem as mesmas características(cf. Dt 24,17-21).: aqueles que estão sem proteção, que vivem na condição de vulnerabilidade. Em toda a Sagrada Escritura vamos encontrar uma constante preocupação para com essas categorias de pessoas. Os pobres deviam ser objeto de especiais cuidados e era proibido explorá-los (cf. Ex 22,22-26); os gestores da lei, os homens do direito, eram chamados a serem cuidadosos com a manipulação da lei a fim de que não causassem prejuízo aos pobres (cf. Ex 23,6-9).
O próprio Deus se apresenta como defensor dos pobres e oprimidos, ele que libertou Israel da opressão do Egito. “Javé disse: «Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios e para fazê-lo subir dessa terra para uma terra fértil e espaçosa, terra onde corre leite e mel…” (Ex 3,7-8). Os profetas Amós (cf. Am 2,7; 4,1; 5,11; 8,4), Isaías (cf. Is.3,14s; 5,8s; 10,2), Miquéias (cf. 2,2;3,2-4) denunciaram a opressão imposta aos pobres e miseráveis, pecado que levou à ruína do reino de Judá (cf. Ez 22,29).Um povo injusto promove a própria desgraça.
Os profetas constantemente promoveram a cultura da justiça e respeito para com os mais vulneráveis: «Assim diz o Senhor: Praticai o direito e a justiça. Livrai o explorado da mão do opressor; não oprimais o estrangeiro, o órfão ou a viúva, não os violenteis nem derrameis sangue inocente neste lugar» (Jer 22,4).
Os órfãos, as viúvas e os estrangeiros deveriam sempre ser objetos de especial atenção e tratados com carinho e solicitude:«Se, ao fazer a colheita em teu campo, esqueceres um feixe de trigo, não voltes para buscá-lo. Deixa-o para o estrangeiro, para o órfão e a viúva, a fim de que o Senhor teu Deus te abençoe em todo trabalho de tuas mãos. Quando sacudires as tuas oliveiras, não deves catar o que sobrou. Deixa-o para o estrangeiro, para o órfão e para a viúva. Quando vindimares a tua vinha, não deves catar os grãos que sobraram. Deixa-os para o estrangeiro, o órfão e a viúva» (Dt24,19-21).
No NT a mensagem de Jesus se dirige especialmente aos pobres (cf. Mt 11,5; Lc 4,18).Jesus os chama de “bem-aventurados” (cf. Mt 5,3; Lc 6,20), mas critica os ricos satisfeitos com sua riqueza (cf. Lc 6,24-26; cf. Tg 2,2-7, Lc 16,19-31). Dos ricos exige desapego dos bens e o uso social dos mesmos (cf. Mc 10,17-27; cf. Lc 19,8). No juízo final o cristão será julgado pela maneira como tratou os pobres e necessitados (cf. Mt 25,31-46; Tg 2,13). Na próxima matéria refletiremos sobre a sensibilidade social de Jesus.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – Em que consiste uma visão dualista do ser humano?
2 – Como a catequese pode educar para a integração entre fé e prática a justiça?
3 – Quais são os rostos dos pobres, viúvas, órfãos e estrangeiros de hoje?