O artigo da semana passada terminou com estas perguntas: “Como podemos viver a “comunhão” trinitária? Como podemos “caminhar juntos” na missão para qual a Igreja é chamada a viver?”
Para responder a estas perguntas é necessário ter presente duas considerações doutrinais importantes.
A primeira coisa que precisamos sempre considerar é que a comunhão na qual o cristão vive é, antes de tudo e, sobretudo, a comunhão do Filho com o Pai e do Pai com o Filho, no Espírito Santo. O cristão está imerso neste espaço vital, e somente neste espaço ele tem a vida. É Jesus mesmo quem afirma: “Crede-me, eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14,11). E reza ao Pai: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti” (Jo 17,21). Este “tu em mim” significa que o Pai se perde no Filho, se faz “nada por amor” e, assim, salva a unidade. O “eu em ti” significa que o Filho se perde no Pai, se faz “nada por amor” e assim salva a comunhão. Cada um se perde no outro. Cada uma das três Pessoas divinas vive fora de si, fazendo do outro seu centro. É o outro que conta, que determina o meu modo de amar. Um exemplo humano deste amor divino, cujo centro é viver para o outro, com o outro, no outro, é “o bom samaritano”. Nele, encontramos as indicações concretas sobre o modo correto de viver o verdadeiro amor, isto é, o modo de entrar na vida da Santíssima Trindade.
A segunda consideração importante, que nunca podemos esquecer é a de que nós somos criados à imagem e semelhança de Deus. Por isso, estamos imersos, pelo Batismo, na comunhão do Pai e do Filho no Espírito. E, daí, decorre que não se pode separar o viver em comunhão uns com os outros. Se Jesus Cristo se tornou meu irmão, todos os seus irmãos são também meus irmãos. Se posso dizer em Jesus, no seu Espírito, “Pai” ao seu Pai, não o posso fazê-lo senão dizendo “Pai Nosso”. A conexão entre a comunhão do Pai e do Filho no Espírito e a comunhão dos fiéis no mesmo Espírito é a essência da comunhão cristã, o ponto nevrálgico da Igreja.
É tendo como pano de fundo esta visão de Igreja-comunhão que nos perguntamos: como nós – povo de Deus: os batizados – podemos viver a comunhão trinitária? Por que nós devemos viver a comunhão fraterna?
A oração sacerdotal de Jesus, o capítulo 17 do Evangelho de João, resume a vida e a ação de Jesus.
O ponto colocado em relevo é, justamente, a conexão entre o ser um do Pai e do Filho e o ser uma só coisa dos fiéis, como o Pai e o Filho são uma só coisa. Todos os batizados são, efetivamente, membros do Corpo de Cristo e, por isso, incorporados na comunhão trinitária trazida à Terra por Jesus Cristo. Também aos padres é pedida uma nova consciência de vivência de seu ministério, pois os documentos do Concílio Vaticano II com a ideia de presbitério (cf. particularmente Lumen Gentium, 28; Christus Dominus, 28; PresbiterorumOrdinis, 7 e 8) indicam que a comunhão é imprescindível para o exercício da missão pastoral. Com a expressão “fraternidade sacramental”, o Concílio coloca em relevo o aspecto comunitário da vida sacerdotal, destacando que o sacerdote é sacerdote, mas o é como co-irmão de outros sacerdotes, seus co-irmãos colaboradores do bispo.
Ele é enviado às comunidades e às outras tarefas às quais é chamado por uma comunidade. Ele é chamado a colocar-se à disposição da Igreja; a preocupar-se, em comunhão com o seu bispo e com os outros co-irmãos, para que a comunhão cresça em toda a Igreja, e que a Igreja se manifeste como comunhão universal. Falar de modo possessivo de “minha” paróquia, portanto, não é aceitável; isto vai contra o espírito da comunhão eclesial. Só é possível viver deste modo se olharmos, constantemente, para o relacionamento que existe entre o Pai e o Filho e se formos o seu reflexo nos nossos relacionamentos. Não é fácil derrubar as barreiras e passar de um relacionamento meramente funcional a um relacionamento verdadeiramente comunional, sinodal, trinitário. O novo “Plano de Pastoral Arquidiocesano” que já está em elaboração pelo novo Conselho Arquidiocesano de Pastoral é um instrumento de comunhão. Acolhê-lo e segui-lo é construir a comunhão, a Igreja sinodal.