Deus se fez um de nós, participando de nossa vida. De fato, Jesus Cristo é igual a nós em tudo, exceto no pecado. Veio percorrer as nossas estradas, enfrentar conosco as lutas diárias, é consolo e força, graça imensa que nos acompanha sempre. Ele está conosco todos os dias, até a consumação dos séculos (Cf. Mt 28, 20). Ele se fez tão igual a nós, que podemos afirmar, com clareza, que é mais humano do que todos nós! Nesta terra, ele se fez irmão de todos e servo, humilhando-se até à morte, e morte de Cruz, para nos elevar até as alturas do Paraíso, onde experimentaremos a plena comunhão com a Santíssima Trindade, e haverá, na Casa do Pai, muitas moradas (Cf. Jo 14,1-6). Haverá lugar para todos os que acolherem a graça da Salvação.

Vivendo entre nós e conosco, ele nos fez todos irmãos: “Um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos” (Mt 23,8). E seu mandamento é que nos amemos uns aos outros, como ele nos amou, trazendo para à terra a própria vida da Santíssima Trindade! Em qualquer lugar e diante de qualquer pessoa, antes de nos aproximarmos dela como próxima ou estranha, haveremos de ter um olhar para o irmão a ser acolhido justamente como irmão. Tal percepção nos faz superar o medo daquilo que pode nos trazer o contato com tal pessoa e as ameaças escondidas ou manifestas diante do diferente. Antes de ser simpático ou antipático, feio ou bonito, agradável ou não, trata-se de um irmão a ser amado!

Diante de divergências religiosas, acolhamos palavras sábias de Santo Agostinho: “Exortamos-vos instantemente à caridade, não apenas entre vós, mas também em relação aos que estão de fora, quer sejam os ainda pagãos e descrentes, quer se tenham separado de nós, e de modo que, professando conosco a Cabeça, separaram-se do corpo. Sintamos pesar por eles, irmãos, porque eles continuam sendo nossos irmãos. Quer queiram, quer não queiram, são nossos irmãos. De fato, só deixariam de ser nossos irmãos se deixassem de dizer: ‘Pai nosso’. Por conseguinte, aqueles que dizem: ‘Não sois nossos irmãos’, estão nos chamando de pagãos. Por isso eles querem batizar-nos de novo, declarando que não possuímos o que dão.

Por conseguinte, seu erro consiste em negar que somos seus irmãos. Mas então por que nos disse o Profeta: Quanto a vós, respondei-lhes: Sois nossos irmãos; a não ser por que reconhecemos neles aquele batismo que não repetimos? Não aceitando nosso batismo, eles negam que somos seus irmãos. Nós, porém, não repetindo o deles, mas reconhecendo-o como nosso, dizemos: Sois nossos irmãos. Se eles disserem: ‘Por que nos procurais? Que quereis de nós?’ respondamos: Sois nossos irmãos. Mesmo que nos digam: ‘Podeis ir embora, nada temos convosco!’ Pelo contrário, nós temos muito convosco! Nós confessamos um mesmo Cristo, e assim devemos estar em um só Corpo, sob uma só Cabeça’ (Cf. Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo – Ps. 32,29: CCL 38,272-273). Este olhar universal faz com que construamos relacionamentos adequados e um trato missionário com quem quer que seja, pois todos são candidatos à vida de comunhão com Deus e com o próximo.

Se chego a um lugar e reconheço irmãos onde quer que me encontre, nascerá a possibilidade do cultivo da amizade, outro passo. O irmão me é dado sempre! O amigo, eu encontro e cultivo esta amizade. Ensina a Escritura: “Amigo fiel é poderosa proteção: quem o encontrou, encontrou um tesouro. Ao amigo fiel não há nada que se compare, pois nada equivale ao bem que ele é. Amigo fiel é bálsamo de vida; os que temem o Senhor vão encontrá-lo. Quem teme o Senhor, orienta bem sua amizade: como ele é, tal será o seu amigo” (Ecl 6,14-17).

Impressiona muito como Jesus cultiva a proximidade com as pessoas. Escolheu doze apóstolos, dentre eles Pedro, Tiago e João o acompanharam em momentos decisivos. João, pela sua proximidade com o Senhor, nos legou a expressão “amigo do peito”! Os discípulos, um horizonte mais largo de relacionamento, foram também tratados com atenção e carinho. Algumas mulheres serviam com seus bens o grupo dos Apóstolos (Cf. Lc 8,1-3).

Chama atenção o relacionamento de Jesus com Marta, Maria e Lázaro (Lc 10,28-42), três irmãos que serão celebrados dentro de poucos dias na Liturgia da Igreja. Tudo indica que Lázaro não tinha muita saúde, veio a morrer e Jesus o fez retornar à vida. Maria pode ter vindo de uma vida um pouco atrapalhada, mas venceu as barreiras para se sentir discípula aos pés de Jesus para escutá-lo. Sabemos que também ungiu com amor os pés de Jesus (Cf. Jo 12,1-11). Marta, ainda que repreendida por Jesus por sua agitação, era até há pouco tempo celebrada sozinha como santa, e depois vieram seus irmãos para a festa litúrgica! É modelo da hospitalidade. Imagino que a casa de Betânia tenha sido um lugar de repouso para Jesus e seus Apóstolos. A amizade descansa, ajuda a refazer as forças, estimula a caminhada da vida. Sabemos que “alguém pode ser ferido no meio dos amigos; mas há amigos mais fiéis que um irmão” (Pr 18,24).
Irmãos e amigos! Tarefa cotidiana na vida cristã. Trata-se de ter um olhar aberto, capaz de acolher a todos, superando julgamentos e preconceitos.

Quando a Liturgia nos chama de irmãos, aproveitemos a oportunidade para olhar com bondade, abertura e misericórdia as pessoas que encontrarmos. E ir ao encontro dos irmãos, para estabelecer relacionamento autêntico e verdadeiro, se transforma em tarefa missionária. A vida da Comunidade cristã é o espaço adequado para cultivar a fraternidade!

Os amigos que encontramos sejam valorizados e amados. Com algumas pessoas, pode nascer a partilha respeitosa da vida, em suas dores e alegrias, num clima de reserva pelo tesouro que é o caminho percorrido pelo outro.
E amizade se cultiva com as inúmeras possibilidades de contato. Temos hoje ao nosso alcance, além dos encontros pessoais, inúmeros meios oferecidos pela tecnologia, a serem utilizados com retidão e decoro. De fato, sabemos que especialmente as redes sociais têm sido, de um lado, instrumento importante para a proximidade entre as pessoas, mas não poucas vezes usadas para o mal. Saibamos utilizá-las para amar o próximo!
Podemos até cantar com a sempre lembrada “Missa da Amizade” composta pela saudosa Irmã Míriam Teresinha Kolling: “O amigo bom e fiel vale mais que um tesouro. Quem ama a Deus de coração também terá excelente amizade, pois o seu amigo, pela vida, procura ser semelhante a quem ama”.

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