Introdução
Olhemos para Jesus no exercício do ministério do acompanhamento, pois Aquele que se encarnou, assumiu a condição humana e fez caminho com a humanidade. Por outro lado, ele mesmo se apresentou como “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
Na pessoa de Jesus Cristo o Deus conosco se fez pedagogo e mestre do acompanhamento nas mais variadas situações da humanidade com sensibilidade insuperável e perfeito espírito ético. Jesus Cristo com suas atitudes no processo de acompanhamento das pessoas é para todo acompanhante e acompanhado, o modelo e a referência permanente.
1 – Jesus acompanha a humanidade
O Salvador vai ao encontro da humanidade nas suas mais variadas manifestações de carências: físicas, afetivas, psicológicas, morais, espirituais etc. O encontro de Jesus com as pessoas foi tanto individualmente quanto de forma coletiva. Muitos foram os indivíduos que receberam especial atenção por parte de Jesus Cristo, como Nicodemos, a Samaritana, Bartimeu, Zaqueu, o jovem rico, Madalena, Marta, Maria, Lázaro etc. Dentre os diversos grupos, Jesus deu especial atenção aos doze.
Jesus se encontrando com as pessoas, as acolhiano contexto existencialem que elas viviam, as escutava, acolhia suas demandas. Dessa forma, Jesus percebeu aflição, opressão interior, fome, desorientação a ponto de afirmar que elas estavam “como ovelhas sem pastor” (Mc 6,34).
O processo de acompanhamento dos doze foi complexo, dinâmico e aconteceu de forma coletiva (todos), em grupos (dois ou três) e individualmente de acordo com as circunstâncias, contextos e jeito de ser de cada um. Jesus os chamou a segui-lo, com eles compartilhou sua vida, ideias, preocupações; com elescomeu, foi ao deserto, à montanha, ao mar; com eles Jesus caminhou e, na presença deles, fez milagres e enfrentou adversários.
Jesus não tinha um lógico plano de formação a ser seguido; mas constatamos pelas narrações dos evangelhos, que a mais profunda exigência feita aos doze era que o conhecessem, entrassem em profunda comunhão consigo e não se deixassem conduzir por nenhuma forma de fantasia, ideias errôneas e nem falsas expectativas.
2 – Atitudes de Jesus acompanhando os doze
O processo de acompanhamento dos doze compreende muitos conteúdos e iniciativas por parte de Jesus: contempla a fragilidade deles que se manifesta nas intrigas, dificuldades de compreensão, medo, fuga, abandono, traição, disputas (cf. Mt 17,6; 26,56; Mc 4,41; Mt 20,24; Lc 5,10); Jesus se alegra com suas conquistas e méritos (cf. Lc 10,20); Jesus escuta e acolhe seus sustos, admiração, perplexidades (cf. Mt 17,6; Mt 19,25; Mc 6,51).
Jesus reserva-lhes especiais momentos de formação (cf. Mc 9,30ss; Mc 6,31; Lc 24,27); capacita-os para a missão dando-lhe autoridade (cf. Mt 10,1; Mc 6,8-13); acolhe suas frustrações diante dos desafios da missão (cf. Mc 9,28; Lc 24,19ss); proporciona-lhe a experiência de oração (cf. Lc 6,12; Lc 22,45); dá atenção personalizada a cada um (cf. Mc 14,30; Mc14,34); adverte sempre que percebe que alguma ideia não está em conformidade com o Reino de Deus (cf. Mt 17,23; Mc 4,40; Lc 9,46; Mc 8,27-31); Jesus promove a responsabilidade deles e os exercita a cresceram na autonomia (cf. Mt 14,19; Mt 21,6; Mc 6,31); dá-lhes espaço de liberdade para decisão pessoal (cf. Mt 16,24; Mc 4,23; Lc14,26; Mc10,22). Jesus não forja um caminho e nem alicia ninguém.
No processo de acompanhamento dos doze, Jesus não usa somente as palavras, mas também faz experiências com eles. Essas duas modalidades de expressão formativas são acompanhadas de importantes atitudes pedagógicas de Jesus. Vejamos algumas: Jesus usa sempre uma boa dosagem de ternura e firmeza; respeita sempre a liberdade de seus interlocutores; não se deixa enganar, percebe armadilhas, desconfia das más intenções; é severo contra hipocrisia e a falsidade das pessoas; é sempre muito honesto com seus discípulos, nada lhes esconde; não negocia nada e nem lamenta quando alguém se afasta. Quem não aceita segui-lo pode deixá-lo (cf. Mt 19,22;Mt 22,22; Jo 6,67).
Jesus em todos os contextos conserva sua transcendência e liberdade; Jesus tem postura e palavras irrevogáveis: não volta atrás; adota uma linguagem acessível, compreensível; adapta-se com facilidade aos contextos das pessoas, sem mascarar a verdade; acredita e sempre incentiva à superação, estimula processos de mudança, desafia. Dependendo das circunstâncias, palavras e atitudes de Jesus, os apóstolos reagem: criticam, murmuram, questionam, comentam, se calam, se assustam, obedecem, acolhem, escutam, não compreendem, se alegram, se entusiasmam, se admiram, se entristecem, refletem, acreditam… No processo de acompanhamento de qualquer pessoa pode acontecer tudo isso.
3 – Condições para o acompanhamento
A experiência de ser acompanhado não é gratuita; requer atitudes específicas que comprometem a pessoa com determinadas atitudes. Vejamos algumas:
a) Vontade pessoal: ninguém deve ser forçado ao acompanhamento, caso contrário, orientações e conselhos perdem a força; por sua natureza tanto o acompanhamento, quanto o aconselhamento espiritual exigem a participação da liberdade da pessoa.
b) Abertura: querer ser acompanhado é consequência do reconhecimento de uma necessidade pessoal. Quem não se sente carente, não busca a plenitude e se acomoda, se fecha. Não existe acompanhamento onde há blindagem pessoal. O acompanhamento espiritual requer comunicação, confidência, abertura do coração. Sem essa experiência, nada acontece! Todavia, a abertura do coração acontece mediante um processo!
c) Confiança: a confiança é a condição básica para que aconteça abertura do coração e sejam partilhados os sentimentos, pensamentos, experiências de vida, preocupações de cada dia, perspectivas de futuro… A confiança é chave que abre a porta do coração! Nada se impõe e o que não é gratuito, violenta! Confissão forjada é crime de tortura psicológica!
d) Disponibilidade: o acompanhamento é uma experiência, não é um fato isolado… isso exige de ambas as partes a disponibilidade para o encontro sistemático e com tempo livre de outras preocupações; não se estipula tempo para cada encontro! Mas também é preciso bom senso na gestão do tempo e dos assuntos a serem tratados.
e) Docilidade: a docilidade é a disponibilidade interior para acolher as orientações, fazê-las suas, refleti-las, aprofundá-las, exercitar-se, deixar-se trabalhar; quando não há docilidade (flexibilidade, senso de humildade) impera o subjetivismo pessoal e nada muda. A docilidade conduz à experiência do protagonismo pessoal no processo de acompanhamento, de crescimento pessoal; isso significa senso de correspondência e comprometimento para possível mudança de visão de mundo e atitudes.
f) Reta intenção: tanto para o acompanhante quanto para o acompanhado se exige reta intenção, transparência, motivações autênticas, fronteiras a serem respeitadas.
g) Projeto de vida: todo o processo de acompanhamento espiritual deve estar a serviço do projeto de vida da pessoa acompanhada, ou do projeto de vida a ser discernido, ou já assumido definitivamente.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – Qual das atitudes de Jesus mais lhe chamou a atenção?
2 – Qual é a relação entre acompanhamento e situação existencial do acompanhado?
3 – Por que há condições para o acompanhamento?