Introdução
A exigente missão de liderança proporciona, muitas vezes ao líder, o enfrentamento de sérios desafios e problemas. Se ele não tiver uma forte estrutura espiritual, nessas circunstâncias tenderá ao fracasso. A vida espiritual é o eixo interior fundamental que tudo sustenta, integra, dá sentido à vida da pessoa e contribui para a boa qualidade daquilo que sentimos, pensamos e fazemos.
O dinamismo de vida e do serviço de um líder eclesial, em qualquer nível, não pode ser comparado aos líderes da política ou de outro setor da vida da sociedade. O diferencial não é técnico, mas espiritual e ético, que vem da centralidade de Deus. Ele é a referência absoluta. Eis porque São Paulo recomenda: “Renovai o vosso espírito e a vossa mentalidade. Revesti o homem novo” (Ef 4,23-24).
Por isso diz o salmista: “Se não fosse a vossa lei minhas delícias, eu já teria perecido na aflição!” (Sl 119,92); “Quem confia no Senhor é como o monte de Sião: nada o pode abalar, porque é firme para sempre” (Sl 125,1). “Felizes os que em vós têm sua força, e se decidem a partir quais peregrinos, quando passam pelo vale da aridez, o transformam numa fonte borbulhante, pois a chuva o vestirá com suas bênçãos; caminharão com um ardor sempre crescente e hão de ver o Deus dos deuses em Sião” (Sl 84,6-8).
1. Consequências da negligência espiritual
O enfraquecimento do cuidado com a vida espiritual do líder o leva ao distanciamento da mentalidade evangélica e o amortecimento da paixão pela gratuidade do serviço em prol do Reino de Deus. Quando isso acontece, pouco a pouco o líder começa a assumir atitudes contrárias à vida de Jesus Cristo, o servo por excelência, que passou neste mundo fazendo o bem (cf. At 10,38).
Quando a vida espiritual é negligenciada, inicia-se um processo de corrosão interior que leva o líder ao estresse, cansaço, desânimo, desencanto, medo, insegurança, crise, dispersão, agressividade, enfraquecimento psicológico e moral.
O descuido da vida espiritual quando profundo, coloca o líder como que num tobogã deslizando desenfreadamente à deriva da sua impulsividade e carências, levando-o quase inevitavelmente a cair na piscina da autorreferencialidade, autossuficiência (síndrome de independência), prepotência, descuido com os liderados, corrupção, vícios, ou desvios morais na esfera afetiva e sexual etc. Na verdade, isso é o que observamos da realidade e ninguém está seguro. Por isso, alerta São Paulo: “aquele que pensa que está de pé, cuidado para não cair” (1Cor 10,12).
O desvio da vida espiritual é afastamento da fonte do Amor que nos capacita para servir como devemos e enfrentar com serenidade e firmeza as cruzes da missão. “Ninguém triunfa se apoiando em suas forças” (1Sm 2,10). Tomando consciência disso, o líder sábio que deseja servir para agradar a Deus e consciente das próprias fragilidades, abre-se continuamente para alimentar-se da força divina, pois Deus vem ao encontro da nossa fraqueza(cf. Rm 8,26).
2. Comunhão com Jesus e fecundidade
Não há espaço para a autossuficiência no serviço de liderança pastoral Por isso Jesus alertou seus discípulos dizendo-lhes: “Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei. Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim” (Jo 15,1-4).
Jesus Cristo não quer discípulos estéreis como galhos ladrões que só consomem energia, mas nada produzem. Mas para que o bom galho possa produzir fruto deve estar ligado ao tronco para se alimentar. Nenhum ramo produz fruto por si mesmo; nenhum galho tem autonomia capaz de gerar vida e produzir fruto se não estiver ligado ao tronco. Assim também é o discípulo de Jesus. Ele é o nosso tronco! O fruto a ser produzido é o amor e o líder que não ama, não serve, é egoísta, torna-se estéril.
Jesus nos ensina que entre o mestre e o discípulo há uma relação de dependência. Não somos espiritualmente autônomos! A Igreja está submissa a Cristo e somente na condição de dependência e comunhão poderá ser-lhe fiel. Todo líder que se isola, se enfraquece e morre. Na Igreja, não há espaço para líderes independentes, isolados, autossuficientes. A fidelidade à liderança em prol do Reino de Deus, para o discípulo de Jesus, depende da sua comunhão com o Mestre e consequentemente com a comunidade eclesial. Quem segue os próprios instintos e ideias, não ama a Igreja. A comunhão com Jesus gera fecundidade no serviço de liderança.
Enfim, recordemos a chamada de atenção que Jesus deu a Marta. “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. Porém, uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada” (Lc 10,41-42). O bom líder deve saber fazer síntese entre ação e contemplação, trabalho e oração, discernimento e decisão, fé e razão. Portanto, nem Marta e nem Maria! O líder pastoral é chamado a ser “contemplativo na ação” e “ativo na contemplação”. Contemplar na ação significa agir com os olhos fixos em Jesus, pensando como Ele faria em nosso lugar; ser ativo na contemplação é colocar na oração a nossa missão com seus desafios. “Tudo o que fizerdes, em palavras ou obras, seja feito em nome do Senhor Jesus Cristo” (Col 3,17).
3. Meios de serviço da Vida espiritual
A Palavra de Deus: a sabedoria forma os amigos de Deus, seus líderes, e os profetas (cf. Sb 7,27).Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, para que o homem de Deus seja perfeito, preparado para fazer o bem (cf. 2Tim 3,16-17). O profeta Jeremias, passando por dramas, alimentava-se da Palavra de Deus: “Quando recebi as tuas palavras, eu as devorava. A tua palavra era festa e alegria para o meu coração” (Jr 15,16).
A oração pessoal: a oração é escuta da voz de Deus e diálogo com Ele, diante do qual apresentamos com esperança e sinceridade a nossa vida, nossos dramas, ameaças, fragilidades, sonhos. Por meio da Oração, o líder deposita em Deus sua confiança, nele se apoia, se fundamenta, cresce. Moisés alimentou-se espiritualmente nos momentos difíceis e encontrou suficiente robustez e conforto para continuar sua missão. Elias recebeu essa ordem de Deus: “coma, levante-se! Ainda tens muito a percorrer” (1Re 19,7). Um líder pastoral que não tem a prática da oração tende a ser mais vulnerável. Oração é experiência de confiança (fé) na bondade de Deus Pai com a qual podemos sempre contar. A certeza da sua presença invisível nos traz segurança interior! Por outro lado, a oração é um ato de liberdade porque podemos expressar a Deus os nossos sentimentos e necessidades (cf. Mt 7,7-8).
Os Sacramentos: nos sacramentos temos a possibilidade de fazer uma especial experiência de intimidade com Deus, sobretudo, através da Eucaristia e da Reconciliação. A Eucaristia é o Cristo Pão Vivo que nos alimenta espiritualmente e o Sacramento da Reconciliação nos proporciona a graça do encontro com a misericórdia divina por meio do perdão dos nossos pecados. Os sacramentos nos alimentam, renovam, animam, fortalecem.
* Retiros: outro meio muito significativo de crescimento espiritual para os líderes é a experiência dos retiros espirituais. É um tempo de parada, silêncio, repouso, oração, meditação, autoavaliação, renovação espiritual. No retiro, sobretudo com tempo mais prolongado, temos a possibilidade de um relançamento espiritual assumindo novos compromissos de vida.
A vida espiritual vem da confiança na presença de Deus que acompanha seus servidores e, por isso, não fracassam. São Paulo declara: “somos atribulados por todos os lados, mas não desanimamos; somos postos em extrema dificuldade, mas não somos vencidos por nenhum obstáculo; somos perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados” (2Cor 4,8-9).
No livro do Eclesiástico encontramos este recado: “Meu filho, se você se apresenta para servir ao Senhor, prepare-se para a provação. Una-se ao Senhor e não se separe Dele, para que você no último dia seja exaltado. Confie no Senhor, e ele o ajudará; seja reto o seu caminho, e espere no Senhor” (Eclo 2,1.3.6). A vida espiritual ressignifica a nossa existência nos capacitando para sempre servir com alegria, otimismo, generosidade.
Para a Reflexão Pessoal:
1. Por que é importante a vida espiritual na liderança?
2. Quais são as consequências da negligência da vida espiritual?
3. O que ganhamos com a vida espiritual fortalecida?