Deus quer que todos tenham a vida em abundância. Não pode agradar-nos ver pessoas na marginalidade, irmãos e irmãs que passam fome, assim como outras mazelas de nosso tempo. Temos a certeza de que nosso ponto de chegada é uma eternidade feliz, depois de vivermos “do lado de cá” para chegarmos “ao lado de lá”! O Apóstolo São Paulo impressiona com uma de suas lapidares afirmações: “Para mim, de fato, o viver é Cristo e o morrer, lucro. Ora, se, continuando na vida corporal, eu posso produzir um trabalho fecundo, então já não sei o que escolher. Estou num grande dilema: por um lado, desejo ardentemente partir para estar com Cristo – o que para mim é muito melhor –; por outro lado, parece mais necessário para o vosso bem que eu continue a viver neste mundo. Certo disto, sei que vou permanecer e continuar convosco, para o vosso progresso e alegria da fé” (Fl 1,21-25). Encontrou o sentido profundo de sua existência nesta terra. Viver para Cristo e para o bem dos outros! De fato, com tais objetivos, unimos a Terra e o Céu, estabelecendo um caminho seguro a ser percorrido enquanto estamos em nossa peregrinação, com os olhos fixos para frente e para o alto.
A Liturgia da Palavra que a Igreja celebra neste final de semana (Am 1a.4-7; 1Tm 6,11-16; Lc16,19-31) descortina diante de nossos olhos situações de grande desigualdade social, com apelos à nossa responsabilidade pessoal, comunitária e social, a fim de que construamos um mundo mais justo e fraterno. O Profeta Amós denuncia a miséria existente entre os pobres do povo de seu tempo e o luxo e a ostentação reinantes em grupos da sociedade. Certamente estes contrastes geravam a mesma revolta hoje existente em tantas pessoas, muitas delas vivendo e até se alimentando do lixo! Deus seja louvado por todas as iniciativas existente na Sociedade e na Igreja, em busca de uma distribuição e utilização mais equitativa dos bens, o que pode começar com os passos a serem dados, especialmente de nossa parte, como cristãos.
Com a Parábola do homem rico Epulão, palavra que quer dizer comilão, e de Lázaro, reportada por São Lucas, saltam à vista preciosos ensinamentos. A distância entre pobres e ricos é bem antiga! Lázaro, nome que significa “Deus ajuda”, o pobre mendigo, não recebia nem as sobras da mesa do rico. Como companhia, vinham os cachorros a lamber-lhe as feridas. Provavelmente eram cães que comiam restos de comida, o que rebaixava mais ainda a situação do mendigo. Há lugares em que o Lázaro da parábola é reconhecido como santo e sua figura representada ao lado de animais, dos quais é reconhecido protetor nas enfermidades. Há até pessoas que chegam a manifestar respeito devocional por eles ao comemorar o personagem da história contada por Jesus.
Entretanto, a parábola traz consigo ensinamentos preciosos. Segundo o Profeta Ezequiel, “o pecado de Sodoma consistiu em orgulho, alimentação excessiva, tranquilidade ociosa, desamparo do pobre e do indigente” (Cf. Ez 16,49). A Parábola se coloca no terreno das posses, na oposição entre riqueza e pobreza, apresentando um rico pecador e um pobre que se supõe justo (Cf. Comentário da “Bíblia do Peregrino à Parábola”, página 2513), do lado de cá, com as consequências do lado de lá. O pecado consiste em entregar-se à boa vida sem preocupar-se com os necessitados. Uma riqueza empregada assim é injusta. E na
Escritura tantas vezes é reiterada a exigência de socorrer o pobre (Cf. Dt 15,1-11; Is 58).
O tempo para olhar ao redor e ver as necessidades dos outros é aquele que se chama “hoje” (Cf. Hb 3,13-14). Não temos o direito de fechar os olhos e as mãos diante da indigência de quem quer que seja. Provavelmente não teremos condições para resolver todos os problemas e saciar toda a fome do mundo, mas o pouco de cada pessoa ajuda seriamente a mudar muitas situações.
Como chegar a isso? Temos à nossa disposição “Moisés e os Profetas”, temos a Palavra de Deus que ressoa diariamente em nós e suscita pensamentos, gestos e atitudes de serviço e caridade. Podemos identificar grupos e instituições que participam do grande esforço de ir ao encontro dos mais sofredores. Podemos exercitar nossa criatividade, buscando caminhos de diálogo com autoridades, ajudando-as a tomar consciência dos problemas e exigir medidas adequadas para superá-los. Podemos escolher melhor as pessoas que venham a assumir cargos públicos, verificando a veracidade e o realismo das promessas correntes, confrontando com as práticas sociais anterior e atualmente manifestadas. Estejamos atentos, pois os pretendentes a cargos eletivos devem manter-se no alcance dos poderes a serem assumidos e efetivados. É um engano pretender que um verdadeiro paraíso terrestre venha à tona nos próximos anos. Também para o tempo eleitoral em que nos encontramos, vale a recomendação para “vigiar e orar”. Nossa oração alcance o processo vivido agora e de grande importância para a democracia, mas venha a se efetivar também nossa vigilância de cidadãos e cidadãs desejosos de mudanças concretas e de progresso efetivo.
Na carta de São Paulo a Timóteo (1Tm 6,11-16), São Paulo recomenda combater o bom combate e conquistar a vida eterna, para a qual seu discípulo foi chamado e fez profissão de fé! Para nós e para nossos dias, a vida eterna que é dada não é somente do “lado de lá”, mas começa aqui, no “lado de cá”, com todas as lutas a serem empreendidas em vista de um mundo melhor, que é vontade de Deus, é possível e depende de nossa disposição, união, ousadia e coragem para dar passos diferentes.
Voltando à Parábola, Jesus põe em boca de Abraão palavras que a ele dizem respeito: “Se não escutam a Moisés, nem aos Profetas, mesmo se alguém ressuscitar dos mortos, não acreditarão” (Lc 16,31). E aqui está a chave de tudo! Alguém, o Senhor Jesus Cristo, nosso Salvador, ressuscitou dos mortos. Começou com ele um mundo novo, com a vitória contra o pecado e a morte. E nos comprometemos a superar toda indiferença, desânimo ou pusilanimidade, pois sabemos que tendo vencido a morte nos abriu novos horizontes, para que o Céu e a Terra se aproximem, e nos convençamos de que os valores do Céu é que nos fazem edificar aqui mesmo uma Terra nova! “Não deveis ficar lembrando as coisas de outrora, nem é preciso ter saudades das coisas do passado. Eis que estou fazendo coisas novas, estão surgindo agora e vós não percebeis? Sim, no deserto eu abro um caminho, rasgo rios na terra seca” (Is 43,18-19). Ou acolhamos a palavra do Apocalipse: “Aquele que está sentado no trono disse: “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,4)