O Sensus Fidei no Concílio Vaticano II

“O ensinamento do Concílio Vaticano II reflete a contribuição de Congar na compreensão do sensus fidei. O capítulo I da Lumen Gentium, sobre “O Mistério da Igreja”, ensina que o Espírito Santo “habita na Igreja e nos corações dos fiéis como em um templo”. “Ele conduz a Igreja à plenitude da verdade (cf. Jo 16,13). Unifica-a na comunhão e no ministério. Dota-a e dirige-a mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos. E adorna-a com seus frutos (cf. Ef 4,11-12; 1Cor 12,4; Gl5,22)”. O segundo capítulo prossegue, considerando a Igreja como um todo, “o Povo de Deus”, antes de qualquer distinção entre clérigos e leigos. A passagem que menciona o sensus  fidei (Lumen Gentium 12) ensina que uma vez que ele “recebeu a unção do Santo (cf. 1Jo 2,20.27)”, “o conjunto dos fiéis (…) não pode enganar-se no ato de fé”. “O Espírito da verdade” suscita e mantém um “senso sobrenatural da fé (supernaturali sensu fidei)”, que se manifesta “quando, ‘desde os bispos até os últimos fiéis leigos’, apresenta um consenso universal sobre questões de fé e costumes”. Graças ao sensus fidei, “o povo de Deus – sob a direção do sagrado Magistério, a quem fielmente respeita – não já recebe a palavra de homens, mas verdadeiramente a palavra de Deus (cf. 1Ts 2,13)”. De acordo com esta descrição, o sensus fidei é uma capacidade ativa ou uma sensibilidade que torna o povo de Deus capaz de receber e compreender a “fé uma vez por todas confiada aos santos (cf. Jd 3)”. E, de fato, pelo sensus fidei, o povo não só “apega-se indefectivelmente à fé”, mas “penetra-a mais profundamente e mais plenamente a aplica na vida”. Este é o meio pelo qual o povo participa “da função profética de Cristo” (n. 44).

“A Lumen Gentium descreve, em seguida, nos capítulos III e IV, como Cristo exerce sua função profética não só através dos pastores da Igreja, mas também pelos fiéis leigos. A Constituição ensina que “até a plena manifestação da sua glória”, o Senhor realiza a sua função, “não só através da hierarquia, que ensina em seu nome e com o seu poder, mas também através dos leigos”. Quanto a estes últimos, ela continua: “Por essa razão, constituiu-os testemunhas e ornou-lhes com o senso da fé e da graça da palavra (sensu fidei et gratia verbi instruit) (cf. At 2,17-18; Apoc 19,10), para que brilhe a força do Evangelho na vida cotidiana, familiar e social”. Fortalecidos pelos sacramentos, “os leigos tornam-se valiosos pregoeiros da fé nas coisas a serem esperadas (cf. Hb 11,1)”; “os leigos podem e devem exercer preciosa ação para a evangelização do mundo”. Aqui, o sensus fidei está presente como um dom de Cristo dado aos fiéis, e, ainda mais uma vez, ele é descrito como uma capacidade ativa pelo qual os fiéis são feitos capazes de compreender, viver e anunciar as verdades da revelação divina. Esta é a base do seu trabalho de evangelização”(n. 45).

“O sensus fidei é também mencionado no ensinamento do Concílio sobre o desenvolvimento da doutrina, no contexto da transmissão da fé apostólica. A Dei Verbum afirma que a Tradição Apostólica “progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo: cresce, com efeito, a compreensão tanto das coisas como das palavras transmitidas”. E o Concílio identifica três formas em que isso acontece: “seja pela contemplação e estudo dos que creem, os quais as meditam em seu coração (cf. Lc 2 19 e 51), seja pela íntima compreensão que experimentam das coisas espirituais, seja pela pregação daqueles (bispos) que com a sucessão do episcopado receberam o carisma seguro da verdade”. Embora esta passagem não use a expressão sensus fidei, está claro que a contemplação, o estudo e a compreensão dos fiéis, a que se referem, estão todos claramente associada ao sensus fidei; e a maioria dos comentaristas concorda que os Padres do Concílio conscientemente fizeram uso da teoria do desenvolvimento da doutrina de Newman. Quando se lê este texto à luz da descrição do sensus fidei que faz a Lumen Gentium 12 – como um senso sobrenatural da fé inspirada pelo Espírito Santo, pelo qual o povo, sob a condução de seus pastores, adere indefectivelmente à fé – se vê imediatamente que expressa a mesma ideia” (n. 46).

“Desde o Concílio, o Magistério tem reiterado vários pontos-chave da doutrina conciliar sobre o sensus fidei. Ele também abordou uma questão nova, ou seja, que é importante não pressupor que a opinião pública, dentro da Igreja ou fora dela, é necessariamente idêntica ao sensus fidei (fidelium). Na sua Exortação Pós-sinodal Familiaris Consortio (1981), o Papa João Paulo II considerou qual relação que “o senso sobrenatural da fé” possa ter com o “consenso dos fiéis” e a opinião da maioria, determinada por pesquisas sociológicas e por estatísticas. O sensus fidei, escreve ele, “não consiste só ou necessariamente com o consenso dos fiéis”. É tarefa dos pastores da Igreja “promover o sentido da fé em todos os fiéis, examinar e julgar com autoridade a autenticidade de suas expressões, e formar os fiéis para um discernimento evangélico sempre mais maduro”.

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