Na ocasião do encontro inter-religioso no Iraque, em 06/março/2021, o Papa Francisco fez um importante discurso importante para o relacionamento entre as religiões, e que está muito em sintonia com a Campanha da Fraternidade Ecumênica no Brasil, deste ano. Em continuidade ao tema da semana passada, sobre o “olhar para o céu”, reporto agora a segunda parte de seu discurso sobre o “caminhar sobre a terra”.
– “O caminho de Abraão foi um caminho em saída, que implicou sacrifícios: teve de deixar terra, casa e parentes. Mas, renunciando à sua família, tornou-se pai duma família de povos. Algo de semelhante acontece também conosco: … Precisamos sair de nós mesmos, porque temos necessidade uns dos outros. A pandemia fez-nos compreender que «ninguém se salva sozinho» (Encíclica Fratelli tutti, 54). … Nas tormentas que estamos a atravessar, não nos salvará o isolamento, não nos salvarão a corrida armamentista e a construção de muros, que aliás nos tornarão cada vez mais distantes e irados. Não nos salvará a idolatria do dinheiro, que nos fecha em nós mesmos e provoca abismos de desigualdade onde se afunda a humanidade. Não nos salvará o consumismo, que anestesia a mente e paralisa o coração”.
– “O caminho que o Céu aponta para o nosso percurso é outro: é o caminho da paz. E este requer, sobretudo na tormenta, que rememos juntos na mesma direção. … Não haverá paz sem partilha e acolhimento, sem uma justiça que assegure equidade e promoção para todos, a começar pelos mais frágeis. Não haverá paz sem povos que estendam a mão a outros povos. Não haverá paz enquanto se olhar os outros como um «eles», e não como um «nós». Não haverá paz enquanto as alianças forem contra alguém, porque as alianças de uns contra os outros só aumentam as divisões. A paz não exige vencedores nem vencidos, mas irmãos e irmãs que, não obstante as incompreensões e as feridas do passado, passem do conflito à unidade”.
– “Donde pode começar o caminho da paz? Da renúncia a ter inimigos. Quem tem a coragem de olhar as estrelas, quem acredita em Deus, não tem inimigos para combater. Tem apenas um inimigo a enfrentar, que está à porta do coração e insiste para entrar: é a inimizade. Enquanto alguns procuram mais ter inimigos do que ser amigos, enquanto muitos buscam o próprio benefício à custa de outros, quem olha as estrelas da promessa, quem segue os caminhos de Deus não pode ser contra ninguém, mas por todos; não pode justificar qualquer forma de imposição, opressão e prevaricação, não se pode comportar de modo agressivo”.
– “Na história, muitas vezes corremos atrás de metas demasiado terrenas e caminhamos cada um por conta própria, mas, com a ajuda de Deus, podemos mudar para melhor. Cabe a nós, a humanidade de hoje e principalmente os crentes das diferentes religiões, transformar os instrumentos do ódio em instrumentos de paz”…
– “Cabe a nós salvaguardar a casa comum das nossas ambições predatórias. Cabe a nós lembrar ao mundo que a vida humana vale pelo que é e não pelo que tem, e que a vida de nascituros, idosos, migrantes, homens e mulheres de todas as cores e nacionalidades é sempre sagrada e conta como a de todos os outros. Cabe a nós ter a coragem de levantar os olhos e olhar as estrelas, as estrelas que viu o nosso pai Abraão, as estrelas da promessa”.
– “O caminho de Abraão foi uma bênção de paz. Mas não foi fácil! Teve que enfrentar lutas e imprevistos. Também nós temos pela frente um caminho acidentado, mas precisamos, como o grande patriarca, de dar passos concretos, peregrinar para descobrir o rosto do outro, partilhar memórias, olhares e silêncios, histórias e experiências. … “Para prosseguir, precisamos de fazer, juntos, algo de bom e concreto. Este é o caminho, sobretudo para os jovens, que não podem ver os seus sonhos truncados pelos conflitos do passado. Urge educá-los para a fraternidade, educá-los para olharem as estrelas. Trata-se duma verdadeira e própria emergência; será a vacina mais eficaz para um amanhã pacífico. Porque sois vós, queridos jovens, o nosso presente e o nosso futuro! Somente com os outros é que se podem curar as feridas do passado”.
“Nós, irmãos e irmãs de diversas religiões, encontramo-nos aqui, em casa, e a partir daqui, juntos, queremos empenhar-nos para que se realize o sonho de Deus: que a família humana se torne hospitaleira e acolhedora para com todos os seus filhos; que, olhando o mesmo céu, caminhe em paz sobre a mesma terra.”