Nicodemos encontrou-se com Jesus numa noite, ocasião em que começou sua descoberta do novo nascimento em Cristo. A luz da fé brilhou na vida daquele homem. Muitas pessoas até o chamam de “adorador noturno”. Podemos imaginar as alegrias e, ao mesmo tempo, as crises pelas quais passou, para aderir a Jesus Cristo. Mais adiante, nós o encontramos diante das autoridades judaicas, procurando um julgamento adequado para Jesus, quando tudo apontava na direção de uma condenação sumária: “Nicodemos, um dos fariseus, aquele que tinha ido a Jesus anteriormente, disse: ‘Será que a nossa Lei julga alguém antes de ouvir ou saber o que ele fez?’” (Jo 7,50-51). Após a morte de Jesus, lá estava ele, ajudando no sepultamento do Mestre: “Veio também Nicodemos, aquele que anteriormente tinha ido a Jesus de noite; ele trouxe uns trinta quilos de perfume feito de mirra e de aloés. Eles pegaram o corpo de Jesus e o envolveram, com os perfumes, em faixas de linho, do modo como os judeus costumam sepultar” (Jo 19, 39-40).

Entretanto, queremos aproveitar, para nossa vivência quaresmal, o modo como se desdobrou em outras afirmações o que Jesus disse àquele que veio a ser discípulo: “Ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu: o Filho do Homem. Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim também será levantado o Filho do Homem, a fim de que todo aquele que nele crer tenha vida eterna” (Jo 3,14-15). Vem do alto aquele que nos possibilita subir até Deus! Levantado, como a serpente de bronze do deserto, é necessário olhar para ele. Olhar para o alto, para o Filho do Homem que é Jesus, Filho de Deus, é acreditar nele, apostar toda a vida em sua Palavra e em sua graça.

“‘Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então sabereis que ‘eu sou’, e que nada faço por mim mesmo, mas falo apenas aquilo que o Pai me ensinou. Aquele que me enviou está comigo. Ele não me deixou sozinho, porque eu sempre faço o que é do seu agrado’. Como falasse estas coisas, muitos passaram a crer nele” (Jo 8,28-30). Jesus se revela plenamente em sua Cruz. Sem passar por ela, não existe caminho para a salvação. Isso vale quanto ao desígnio de Deus, mas vale também como caminho espiritual para cada cristão. Justamente no aparente absurdo da Cruz, na qual se revela o amor maior, poderemos todos fazer a passagem pela morte e ressuscitar com ele para a vida plena.

“Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12, 32). A Cruz está elevada, também fisicamente, por todos os recantos do mundo, como sinal da vitória da vida sobre a morte. Deixar-se marcar pela Cruz de Cristo significa escolher dois movimentos na própria vida. Primeiro, olhar para o alto e viver para as coisas do alto, escolher Deus como senhor de nossa vida, deixar que sua Palavra nos guie, apaixonar-se pela sua vontade. Depois, no coração de Cristo e em nosso coração é traçado o outro movimento da Cruz, que faz abrir os braços no amor ao próximo. “De fato, Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho único, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Pois Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele” (Jo 3,16-17). No coração de Jesus e no coração de cada cristão devem pulsar estes dois amores. São Paulo o proclama na liturgia do quarto domingo da Quaresma de forma esplêndida: “Deus, rico em misericórdia, pelo imenso amor com que nos amou, quando ainda estávamos mortos por causa dos nossos pecados, deu-nos a vida com Cristo. É por graça que fostes salvos!” (Ef 2,4-5)

A raiz encontra seu fundamento na eternidade e os braços se abrem e ninguém seja excluído do alcance do amor de Deus, pelo que os braços dos cristãos se escancaram também para o infinito, assumindo o desafio de não excluir quem quer que seja, superando preconceitos, ciúmes, invejas, julgamentos, perseguições, marginalizações. Cada um de nós deverá acolher também como proposta de vida este desejo de que todos se salvem, todos tenham a vida eterna. Quem julga as atitudes das pessoas é a luz que refulge na Cruz de Cristo. Seríamos muito mesquinhos se quiséssemos antecipar o julgamento. Se Deus quiser, teremos grandes e gratas surpresas ao nos apresentarmos diante do Senhor, quando chegar o nosso dia, e encontrar pessoas que humanamente teríamos imaginado distantes!

A proclamação do desígnio de salvação da parte de Deus faz com que a Igreja, em meio à penitência quaresmal, chame este Domingo de Domingo da Alegria – “Laetare”, usando na Liturgia os paramentos rosáceos. Não se trata de uma alegria barulhenta, mas a profunda experiência interior da graça de Deus, capaz de transformar um fariseu como Nicodemos, ou tantas outras pessoas convertidas na história da Igreja, entre as quais nos encontramos, marcadas com um sentido profundo de uma existência realizada e feliz, em Cristo!

Outra consequência é o anúncio da alegria da salvação. Cada um de nós pode sentir-se como quem abre caminhos, empunhando a Cruz de Cristo, com a qual as barreiras são superadas, os muros abatidos e a vida se manifesta vitoriosa. Uma das formas para levar a salvação de Cristo é nossa capacidade de dialogar, recordando o tema da Campanha da Fraternidade em curso: “Fraternidade de diálogo: compromisso de amor”, tendo como lema: “Cristo é a nossa paz: do que era dividido fez uma unidade” (Cf. Ef 2, 14). Olhando para o alto da Cruz de Cristo, saberemos olhar para frente, adquirindo também a capacidade de olhar nos olhos dos outros, especialmente aqueles que consideramos diferentes, outras vezes até estranhos ou mesmo inimigos, para construir pontes. Estas se fazem quando estamos convictos de nossa fé cristã, sem usar subterfúgios, fingimento ou devaneios, mas acolhendo todas as sementes do Verbo de Deus, que foram plantadas pelo Espírito Santo por toda parte. Nós nos descobriremos unidos a tanta gente, encontrando estradas para construir um mundo diferente, mesmo em tempos de tanta polarização e radicalismo. Só poderemos fazê-lo olhando para aquele que foi levantado na Cruz, e juntamente com ele e por sua graça, olhar para frente, apontando para a eternidade feliz, que o Pai quer para todos.

Colunistas