Introdução
Há vícios que inviabilizam plenamente a possibilidade de uma liderança efetiva e eficaz, tornando-a estéril, amarga, opressora, injusta e assim o líder, às claras se torna “persona non grata”, ou seja, pessoa não aceita, indesejada, malquista. Isso produz graves consequências e não importa em qual área esteja atuando.
Certa vez num interior, visitando as comunidades de uma paróquia, encontrei uma “comunidade” com apenas três pessoas, e a capela estava abandonada. Fiquei assustado, triste, indignado. As pessoas presentes na missa eram a coordenadora da comunidade, uma filha e uma amiga. Após algumas perguntas sobre a vida da comunidade a líder condenou a todos, inclusive seus parentes. No entanto, na vila havia cerca de 25 famílias e a coordenadora estava há 26 anos na liderança daquela pobre comunidade.

Por causa da sua postura possessiva, fria e carregada de outras limitações, quase todos abandonaram a comunidade e praticamente ficou sozinha e a capela semiabandonada. Essa situação se repete em outros lugares; uns atraem, reúnem, capacitam pessoas, promovem novas estruturas pastorais, formam lideranças, estimulam progresso e a convergência da comunidade, e ela cresce, se robustece, fica exuberante.
Ao contrário, com outros líderes, só há prejuízos de todo tipo: promoção da antipatia, ruptura dos vínculos afetivos, demolição do passado, depreciação das lideranças presentes, ferimentos, descontentamento generalizado, sucateamento pastoral, paulatino esvaziamento etc. As consequências são dramáticas. Quando é uma empresa vai à falência, se for uma instituição pública cai na insignificância social, quando é uma paróquia, comunidade ou pastoral, perde o seu vigor sociopastoral e entra em choque com a missão da Igreja, servidora, que é a promoção do Reino de Deus.

Não podemos negar essa triste realidade nas Igrejas em geral e, por sua gravidade, deve ser objeto de honesta reflexão, não só em nível eclesial, mas também civil porque esse mal atinge sobretudo a esfera pública. Quando isso acontece, não é consequência de um erro isolado, mas é efeito de um persistente comportamento errôneo, inadmissível para quem tem a missão de acolher, cuidar, proteger, promover o rebanho. A dinâmica da liderança eclesial só pode ser entendida e exercida se for na perspectiva do dinamismo do Reino de Deus. Desse modo será um serviço de amor, verdadeiro, fraterno, construtivo. Vejamos alguns males que conflitam com esse horizonte e por isso, são merecedores de contínua vigilância, atenção e reflexão.

1. A autorreferencialidade: trata-se do personalismo, da atitude de vaidade do líder que só faz referência a si mesmo. Os líderes personalistas, autorreferenciais, ditadores, seguem as próprias ideias, não se importam com diretrizes, planos, projetos comuns; dizem que só sabem fazer se for do jeito deles, apelam para os próprios dons, estudos, competências, títulos, gostos, carismas, experiências etc. São arrogantes e desobedientes. Desse jeito negam o dinamismo do espírito comunitário, sinodal, institucional e se isolam impondo-se os sobre os outros. O líder, empreendedor solitário, por ser individualista, atenta contra o princípio da corresponsabilidade eclesial. A autorreferencialidade é uma forma de narcisismo, de infantilidade na liderança, pois nega a contribuição dos outros, ou a deprecia. Esse mal deve ser evitado!

2. O populismo: é a arte de manipular as pessoas através do aliciamento afetivo, econômico, material, lúdico etc. O líder populista é habilidoso em desviar seus liderados daquilo que é mais importante levando-os ao contentamento com aquilo que é secundário. Escamoteia-se para não ser cobrado. O líder populista é portador da “síndrome de Pilatos”, pois é incapaz de contrariar uma parte, por isso, não toma decisões porque não quer descontentar ninguém. Com essa atitude covarde, estimula a injustiça e favorece a promoção da violência.

3. O espontaneísmo: é uma atitude que revela a concepção do líder como uma figura puramente simbólica, sem o dever de ação concreta. O líder espontaneísta não se preocupa com nada, simplesmente segue a espontaneidade do rebanho, mas nada direciona, não orienta, não decide, nunca corrige; é uma peça decorativa. O espontaneísmo na liderança dispensa a necessidade de diretrizes, projetos, protocolos, procedimentos, discernimento, avaliação, decisões. O espontaneísmo nega a ordem de necessidades, prioridades e uma importância de uma escala de valores; promove a dispersão, a perda do foco para onde se deve caminhar. Em geral nos ambientes onde há um clima espontaneísta acontece a anarquia, a desordem e uns poucos acabam dominando. O espontaneísmo administrativo é uma grave atitude de irresponsabilidade. Líderes espontaneístas são negligentes e acomodados.

4. A cegueira ou miopia: é a falta de percepção das realidades, das exigências dos compromissos, dos erros, oportunidades, ameaças, urgências etc. A cegueira ou a miopia na liderança deixa os liderados numa contínua situação de vulnerabilidade, de incerteza, de riscos. A cegueira administrativa de um líder é a falta de visão da realidade que revela, como consequência, a ausência de horizontes. A miopia administrativa na liderança é a visão curta, dificuldade de compreender as exigências de processos. Em geral líderes cegos ou míopes são manipulados por espertalhões interesseiros, ou grupos, que se aproveitam da ingenuidade alheia. Líderes cegos ou míopes facilmente são enganados por falta de conhecimento daquilo que devem fazer e por isso tornam-se dependentes.

5. O democratismo: o líder democratista é aquele que só segue a voz ou aplauso da maioria; todavia, nem tudo na liderança ética deve ser objeto de decisão da maioria. O líder que na gestão das suas responsabilidades, só ouve o parecer da maior parte, não tem consciência das suas responsabilidades e nem se deixa orientar por sérios princípios. Valores como verdade, justiça, respeito, a vida, a dignidade humana etc. não podem ser objeto de votação. Quando o líder tem consciência da própria missão e está claro, definido e escrito o que deve fazer, não deve perguntar. Nem sempre a maioria está correta e nem tudo é objeto de decisão.

6. O extremismo: é uma atitude radicalmente unilateral, que não considera a diversidade, o essencial nas relações humanas e nem a importância do discernimento coletivo na resolução dos problemas. O líder extremista assusta, é intransigente, rompe relações, não se deixa orientar por valores éticos, é agressivo. Na cabeça e no coração do líder extremista não há espaço para a espera, a tolerância, a misericórdia, o diálogo, muito menos, a atenção às circunstâncias para saber o que é mais conveniente, justo, sem prejuízos. Há muitas formas de extremismos na liderança como, por exemplo: o tradicionalismo, modernismo, conservadorismo, reformismo, modismo, ativismo, integrismo, machismo, feminismo, fanatismo… Os extremistas, sem o senso do meio termo, seguem a lógica do “tudo ou nada”. Todavia, entre o real e o ideal, há o possível; a necessidade da justa e coerente negociação faz parte da arte de liderar.

7. O medo: esse é outro mal que muito atrapalha o dinamismo da missão de um líder. Esse sentimento tende a gerar paralisia, aprisionamento, fuga, angústia, insegurança, incerteza, dúvida, desconfiança, incapacidade de investir e arriscar. O medo provoca o afogamento (cf. Mt 14,30), fuga da responsabilidade (“tive medo e fui esconder teu talento na terra” – Mt 25,25; Lc 19,21), o medo provoca o desânimo e a falência (cf. Lc 21,26). Todos esses sentimentos se opõem radicalmente à luta, ao desenvolvimento integral das pessoas e ao progresso pastoral. Bons líderes são sempre promotores do crescimento dos liderados, isso pressupõe firmeza, coragem, ousadia.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 Qual desses males é o mais crítico para você?
2 Quais outros males atrofiam a liderança que merecem reflexão?
3 Por que há líderes que persistem nas mesmas atitudes negativas, apesar da evidência dos seus prejuízos?

Colunistas