A Palavra de Deus sempre nos surpreende positivamente, e o mês da Bíblia, que agora se inicia, deverá encontrar-nos mais uma vez atentos, fazendo silêncio interior e boquiabertos diante dos horizontes por ela apresentados para nossa vida de cristãos. Um primeiro convite é abrir a Bíblia, alimentar-se espiritualmente com a Palavra, ruminá-la com calma, rezar com a Palavra e colocá-la em prática. Basta acolher uma das muitas Palavras da Escritura e poderemos vê-la chegando inteira e completa em nosso coração e em nossa vida. Depois, chegue a todos nós o apelo a nos tornarmo-nos discípulos missionários, anunciadores da Palavra. Ela é um bem supremo e todo bem se difunde por si mesmo, o que nos convida a participarmos da propagação daquilo que é muito mais do que bom, é o melhor!
Após uma belíssima confissão de fé em Jesus como Messias Filho do Deus vivo, o Evangelho narra a reação de Simão Pedro, com ensinamentos muito exigentes, oferecidos a todas as gerações de cristãos, inclusive a nós, que, por enquanto, somos os últimos! Trata-se de conhecer a outra face de uma belíssima medalha, onde contemplamos o Cristo Senhor e Salvador, o mistério do sofrimento e da Cruz (Mt 16,21-27). Pedro e os outros ficaram assustados neste e em outros dois anúncios da paixão, tanto que o Senhor levou alguns de seus amigos, Pedro, Tiago e João, para uma prévia de sua glória de Ressuscitado (Cf. Mt 17,1-9), a fim de afastar o escândalo da Cruz. Sabemos que só bastante tempo depois, com a luz do Espírito Santo e as experiências pessoais de morte e vida, os discípulos poderão entender. Os passos que percorreram bem que servem para nosso aprendizado, pois não há redenção sem cruz!
Recordemos o ensinamento da Carta aos Hebreus: “Segundo a Lei, quase todas as coisas são purificadas com sangue, e sem derramamento de sangue não existe perdão. Portanto, as cópias das realidades celestes tinham de ser purificadas dessa maneira; mas as próprias realidades celestes devem ser purificadas com sacrifícios melhores. De fato, Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, imitação do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor. E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo sacerdote cada ano entra no Santuário com sangue alheio. Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes desde a origem do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pela imolação de si mesmo. E como está determinado que os homens morram uma só vez, e depois vem o julgamento, assim também Cristo, oferecido uma vez por todas para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, não mais em relação ao pecado, mas para salvar aqueles que o esperam” (Cf. Hb 9,22-29).
Aos discípulos Jesus revela o seu mistério, que vai ao encontro de todas as situações dolorosas experimentadas pela humanidade. Manifesta-se ele como o Servo Sofredor antevisto pelos profetas, ajudando os que o seguem a compreenderem a grande transformação que só acontece na realidade e à luz de seu Mistério Pascal de Morte e Ressurreição, transformar a inelutável realidade do sofrimento em oferta de vida, que o Senhor expressa de forma maravilhosa: “Ninguém tira a minha vida, mas eu a dou livremente. Eu tenho poder de dá-la, como tenho poder de recebê-la de novo” (Jo 10,18). O segredo é a transformação da dor em amor, desde os menores incômodos até as grandes e generosas ofertas de vida por Deus, pela dignidade dos irmãos e irmãs, em favor da missão evangelizadora ou nos riscos corridos por aqueles que se consagram ao Evangelho da Vida, assim como os sofrimentos devidos à maldade e ao pecado humano.
Jesus indica os passos a serem dados: “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me” (Mt 16,24-24). É necessário fazer uma escolha, uma opção de vida, pois Deus nos fez livres e respeita nossa liberdade. A todos nós chegue esta proposta, como se fosse a primeira vez: “Você quer seguir a Jesus Cristo?” A graça de Deus toque o mais profundo de nossa liberdade, para que a resposta seja positiva, pois nesta decisão fundamental joga-se nosso destino nesta terra e na eternidade. Aceitemos, pois, ir atrás de Jesus!
Em seguida, as condições para o seguimento do Senhor. Renunciar a si mesmo é altamente questionador! Posso até dizer que tenho um direito de propriedade sobre minha vida, meu corpo e meu destino pessoal, ainda que Deus não tenha feito ninguém para objeto pessoal de consumo. Só que a vida vai mostrando que eu a recebi não para guardá-la num cofre ou numa eventual caixa de tesouros, daqueles que se corroem com o tempo! Experimentará a vida verdadeira, por exemplo, o pai ou a mãe de família que, tendo encontrado a quem dar a própria existência, abertos à vida, tornam-se testemunhas de uma entrega recíproca, aos próprios filhos e à sociedade. Saem de si mesmos! Vida verdadeira, em qualquer estado de vida ou vocação, só será realizadora quando for doação de si mesmo!Faz parte do processo proposto por Jesus o “tomar a Cruz”, não num sentido negativo, mas na transformação de todos os atos, inclusive os mais dolorosos, em amor e entrega a Deus e ao próximo. Significa dar nome de Cruz, força redentora, visita do Senhor, a tudo o que acontece em nossa vida.
Mais uma palavra e um passo! Seguir a Jesus! Um método já conhecido e praticado, ensinado por São Charles de Foucauld, é fazer o que Jesus faria se estivesse em nosso lugar. “Quanto mais abraçamos a Cruz, mais nos aproximamos de Jesus que está cravado nela. Pergunte-se em cada coisa: ‘Que teria feito o Senhor?’, e faça-o. É sua única regra, a regra absoluta”. Trata-se de acolher os critérios de Jesus Cristo, pensar do seu jeito, renunciar aos eventuais preconceitos e julgamentos que podem aflorar, para chegar a ser uma presença de Jesus para as outras pessoas, contagiando-as com a força do Evangelho, não como quem faz propaganda de um produto, mas como quem comunica uma vida!
Assim unidos a Jesus, podemos acolher uma proposta de oração do próprio São Charles de Foucauld, para mergulhar no mistério do Pai, conduzidos pelo Espírito Santo, que reza em nós: “Pai, eu me abandono a ti, faze de mim o que quiseres. O que fizeres de mim, eu te agradeço. Estou pronto a tudo, aceito tudo, desde que a tua vontade se faça em mim e em tudo o que tu criaste. Nada mais quero, meu Deus. Nas tuas mãos entrego a minha vida. Eu a dou, meu Deus, com todo o amor do meu coração, porque te amo e é para mim uma necessidade de amor dar-me, entregar-me em tuas mãos sem medida, com uma confiança infinita, porque tu és meu Pai!”