Por uma igreja sinodal: apelo a caminhar juntos

O nosso tempo está profundamente marcado por uma “mudança de época” que não podemos ignorar. Vivemos tensões e contradições em vários níveis e campos: na sociedade brasileira e mundial, na igreja Católica no Brasil e no mundo. A pandemia do Covid-19 (que ainda não acabou por completo) impõe mudanças de comportamento em tantas dimensões de nossa vida humana, tanto que não podemos mais falar em “voltar ao normal de antes da pandemia”, mas sim devemos nos configurar a um “novo normal” que ainda é incerto e com tantas perplexidades. E nestes últimos dias o mundo foi surpreendido pelos ataques bélicos da Rússia contra a Ucrânia. Tempo deveras conturbado, marcado por polarizações políticas e religiosas, onde cada vez mais cada pessoa ou grupo firma suas posições ideológicas e hostiliza os outros que pensam de modo diferente taxando-os, de antemão, como inimigos a serem eliminados.

Neste panorama faz sentido falar em “sínodo”, isto é, em “caminhar juntos”? É possível percorrer outro caminho senão este imposto pelas circunstâncias atuais? Como interpretar estes sinais dos tempos?

O DP (Documento Preparatório) para o sínodo nos indica sim um caminho em outra direção, aquela da realidade teologal que fundamenta a existência da Igreja como reflexo da vida trinitária que é essencialmente comunhão e unidade, citando o Papa Francisco na FT (Fratelli Tutti) n. 32: “[temos a consciência de] sermos uma comunidade mundial que viaja no mesmo barco, onde o mal de um prejudica a todos. Recordamo-nos de que ninguém se salva sozinho, que só é possível salvar-nos juntos”. Esta afirmação adquire maior peso ainda ao denunciar que a pandemia, por outro lado, fez emergir a profundidade das fraturas que atravessam a humanidade.

O n. 6 do DP afirma: “Esta situação que, não obstante as grandes diferenças, irmana toda a família humana, desafia a capacidade da Igreja de acompanhar as pessoas e as comunidades a reler experiências de luto e sofrimento, que desmascararam muitas falsas certezas, e a cultivar a esperança e a fé na bondade do Criador e da sua criação. No entanto, não podemos negar que a própria Igreja deve enfrentar a falta de fé e a corrupção, inclusive no seu interior. Em particular, não podemos esquecer o sofrimento vivido por menores e pessoas vulneráveis «por causa de abusos sexuais, de poder e de consciência cometidos por um número notável de clérigos e pessoas consagradas». Somos continuamente interpelados, «como Povo de Deus, a assumir a dor de nossos irmãos feridos na sua carne e no seu espírito». Durante demasiado tempo, o grito das vítimas foi um clamor que a Igreja não soube ouvir suficientemente. Trata-se de feridas profundas, que dificilmente se cicatrizam, pelas quais nunca se pedirá perdão suficiente, e constituem obstáculos, às vezes imponentes, para prosseguir na direção do “caminhar juntos”. A Igreja inteira é chamada a confrontar- se com o peso de uma cultura impregnada de clericalismo, que ela herdou da sua história, e de formas de exercício da autoridade nas quais se insinuam os vários tipos de abuso (de poder, económico, de consciência, sexual). É impensável «uma conversão do agir eclesial sem a participação ativa de todos os membros do Povo de Deus»: 6 juntos, peçamos ao Senhor «a graça da conversão e da unção interior para poder expressar, diante desses crimes de abuso, a nossa compunção e a nossa decisão de lutar com coragem».

Esta é uma das razões pelas quais o Papa Francisco convoca toda a Igreja a percorrer o caminho sinodal. O sínodo nos convoca a colocar-nos, todos juntos, à escuta do que o Espírito Santo diz hoje à sua Igreja. “A Igreja inteira é chamada a confrontar-se com o peso de uma cultura impregnada de clericalismo, que ela herdou da sua história, e de formas de exercício da autoridade nas quais se insinuam os vários tipos de abuso”, pois “a despeito das nossas infidelidades, o Espírito continua a agir na história e a manifestar o seu poder vivificante. É precisamente nos sulcos cavados pelos sofrimentos de todos os tipos, suportados pela família humana e pelo Povo de Deus, que florescem novas linguagens da fé e renovados percursos, capazes não apenas de interpretar os acontecimentos de um ponto de vista teologal, mas de encontrar na provação as razões para voltar a fundar o caminho da vida cristã e eclesial. É motivo de grande esperança que não poucas Igrejas já tenham iniciado encontros e processos de consulta do Povo de Deus, mais ou menos estruturados” (DP n. 7).

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