“Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão” – 2

Continuação do discurso do Papa Francisco à diocese de Roma, em 18.09.2021. O primeiro ponto deste seu discurso foi sobre a necessidade de ouvir a Palavra de Deus que caminha conosco e nos ilumina. O segundo ponto do discurso é o que apresento agora com este subtítulo: O impulso do Espírito.

Diz o Papa: “Podemos ver o Espírito que impulsiona Pedro a ir à casa de Cornélio, o centurião pagão, apesar das suas hesitações. Lembrem-se: Pedro tivera uma visão que o havia perturbado, na qual lhe era pedido para comer coisas consideradas impuras e, apesar da garantia de que o que Deus purifica não deve mais ser considerado impuro, ele ficou perplexo. Ele estava tentando entender, e aí vieram os homens mandados por Cornélio.
Ele também recebera uma visão e uma mensagem. Era um oficial romano piedoso, simpatizante pelo judaísmo, mas ainda não era o suficiente para ser plenamente judeu ou cristão: nenhuma “alfândega” religiosa o teria deixado passar. Era um pagão, mas lhe foi revelado que as suas orações chegaram a Deus, e que ele deve mandar alguém dizer a Pedro para ir à sua casa. Nessa suspensão, por um lado Pedro com as suas dúvidas, e por outro Cornélio que espera naquela zona de sombra, é o Espírito quem dissolve as resistências de Pedro e abre uma nova página da missão.

Assim se move o Espírito: assim. O encontro entre os dois sela uma das mais belas frases do cristianismo. Cornélio havia ido ao seu encontro, havia se jogado aos seus pés, mas Pedro, levantando-o, disse-lhe: “Levanta-te: eu também sou um homem!” (At 10,26), e todos dizemos isso: “Eu sou um homem, eu sou uma mulher, somos humanos”, e todos deveríamos dizer isso, até mesmo os bispos, todos nós: “Levanta-te: eu também sou um homem”. E o texto sublinha que ele conversou com ele de uma maneira familiar (cf. v. 27).

O cristianismo deve ser sempre humano, humanizante, reconciliar diferenças e distâncias, transformando-as em familiaridade, em proximidade. Um dos males da Igreja, aliás uma perversão, é esse clericalismo que separa o padre, o bispo das pessoas. O bispo e o padre separado das pessoas é um funcionário, não é um pastor. São Paulo VI gostava de citar a máxima de Terêncio: “Sou homem, nada do que é humano me é estranho”.

O encontro entre Pedro e Cornélio resolveu um problema, favoreceu a decisão de se sentir livre para pregar diretamente aos pagãos, na convicção – são as palavras de Pedro – “de que Deus não faz preferência de pessoas” (At 10,34). Em nome de Deus, não se pode discriminar. E a discriminação é um pecado também entre nós: “Nós somos os puros, nós somos os eleitos, nós somos deste movimento que sabe tudo, nós somos…”. Não. Nós somos Igreja, todos juntos.

E, vejam, não podemos entender a “catolicidade” sem nos referirmos a esse campo grande, hospitaleiro, que nunca demarca as fronteiras. Ser Igreja é um caminho para entrar nessa amplitude de Deus. Depois, voltando aos Atos dos Apóstolos, há os problemas que nascem quanto à organização do crescente número de cristãos e, sobretudo, para suprir as necessidades dos pobres.

Alguns assinalam que as viúvas eram negligenciadas. O modo como se encontrará a solução será reunir a assembleia dos discípulos, tomando juntos a decisão de designar aqueles sete homens que se ocupariam em tempo integral na diakonia, no serviço às mesas (At 6,1-7). E, assim, com o discernimento, com as necessidades, com a realidade da vida e a força do Espírito, a Igreja vai em frente, caminha junto, é sinodal. Mas sempre há o Espírito como grande protagonista da Igreja.

Além disso, há também o confronto entre visões e expectativas diferentes. Não devemos temer que isso ocorra ainda hoje. Talvez pudéssemos discutir assim! São sinais da docilidade e abertura ao Espírito. Também podem surgir confrontos que atingem picos dramáticos, como ocorreu diante do problema da circuncisão dos pagãos, até à deliberação daquele que chamamos de Concílio de Jerusalém, o primeiro Concílio.

Como também ocorre hoje, há um modo rígido de considerar as circunstâncias, que mortifica a makrothymía de Deus, isto é, aquela paciência do olhar que se alimenta de visões profundas, visões amplas, visões longas: Deus vê longe, Deus não tem pressa. A rigidez é outra perversão que é um pecado contra a paciência de Deus, é um pecado contra essa soberania de Deus. Ainda hoje ocorre isso.
Havia ocorrido naquela época: alguns, convertidos do judaísmo, consideravam, na sua autorreferencialidade, que não podia haver salvação sem se submeter à Lei de Moisés. Desse modo, contestava-se Paulo, que proclamava a salvação diretamente no nome de Jesus. Contrastar a sua ação comprometeria a acolhida dos pagãos, que, enquanto isso, estavam se convertendo.

Paulo e Barnabé foram mandados a Jerusalém pelos apóstolos e pelos anciãos. Não foi fácil: diante desse problema, as posições pareciam inconciliáveis, discutiu-se longamente. Tratava-se de reconhecer a liberdade da ação de Deus e de que não havia obstáculos que pudessem impedi-lo de chegar ao coração das pessoas, seja qual fosse a condição de origem, moral ou religiosa.

O que desbloqueou a situação foi a adesão à evidência de que “Deus, que conhece os corações”, o cardiognosta, conhece os corações, Ele mesmo sustentava a causa em favor da possibilidade de que os pagãos pudessem ser admitidos à salvação, “concedendo também a eles o Espírito Santo, como a nós” (At 15,8), concedendo assim o Espírito Santo também aos pagãos, como a nós.

Desse modo, prevaleceu o respeito por todas as sensibilidades, temperando os excessos; valorizou-se a experiência tida por Pedro com Cornélio: assim, no documento final, encontramos o testemunho do protagonismo do Espírito nesse caminho de decisões e da sabedoria que é sempre capaz de inspirar: “Pareceu bem, ao Espírito Santo e a nós, não lhes impor outra obrigação”, exceto a necessária (At 15,28).
“Nós”: neste Sínodo, andamos pela estrada de poder dizer “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós”, porque vocês estarão em diálogo contínuo entre vocês, sob a ação do Espírito Santo, também em diálogo com o Espírito Santo.

Não se esqueçam desta fórmula: “Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não lhes impor outra obrigação”: pareceu bem ao Espírito Santo e a nós. Assim vocês deverão tentar se expressar, nesta estrada sinodal, neste caminho sinodal.

Se não houver o Espírito, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo. Nós não estamos fazendo um parlamento diocesano, não estamos um estudo sobre isto ou aquilo, não: estamos fazendo um caminho de nos escutarmos e de escutar o Espírito Santo, de discutir e também discutir com o Espírito Santo, que é um modo de rezar”. (Continua na próxima semana).

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