Jesus se apresentou na Sinagoga de Nazaré, a pequena cidade na qual tinha crescido, vivendo com Maria e José. Ele mesmo era identificado como carpinteiro, profissão que tinha aprendido de São José. Era conhecido demais, como acontece em nossas cidades do interior, quando volta um filho da terra que retorna e mostra seus conhecimentos e habilidades. Sua ousadia em proclamar a atualidade da profecia de Isaías em sua pessoa (Lc 4,14-21) provocou fortes reações. Para os habitantes de Nazaré, nós e toda a humanidade, trata-se de grande oportunidade para ajustarmos nossos conceitos e o conhecimento de Jesus, e no espelho de sua missão descobrirmos o que nos cabe na Igreja e na Humanidade.
Não é uma questão de somenos importância, pois nele se encontra a referência de nossa vida, chamados a ser cristãos e dar testemunho de sua Palavra e do Reino de Deus. Jesus não é um taumaturgo, uma espécie de milagreiro ambulante, pronto a satisfazer nossos pedidos e atender nossos clamores. Todos os seus milagres, e são tantos que não somos capazes de contar, inclusive aqueles que ficam escondidos, são realizados em vista da conversão e da fé, nunca para satisfazer apenas a desejos pessoais e muitas vezes individualistas. Em Nazaré não fez muitos milagres, justamente pela falta de fé dos habitantes daquela época, mas alcançou, como Elias e Eliseu, gente vinda de longe, pessoas que foram tocadas pela misericórdia de Deus.
E por falar em profetas, Jesus é um profeta e mais do que um profeta, pois todas as profecias antigas conduzem a ele, em quem tudo se cumpre das promessas feitas. Entretanto, é necessário purificar o conhecimento de sua pessoa, para entender as novidades que o Pai do Céu quer nele e na humanidade realizar. De fato, em torno dele e com as expectativas de um povo oprimido daquele tempo e de nosso tempo, é possível projetar em Jesus Cristo a figura de um líder político, tanto que várias vezes quiseram proclamá-lo rei. Entretanto, diante de Pilatos o Senhor se afirmou Rei, mas de um Reino diverso, que não é deste mundo. Aliás, sua Palavra, seus gestos e sua presença entram em todos os ambientes e podem subverter positivamente qualquer corrente política, possibilitando a todas as pessoas o caminho da conversão, independente de corrente política, raça ou cor.
A Liturgia celebrada neste próximo final de semana apresenta a figura do profeta Jeremias (Jr 1,4-5.17-19), cuja missão prenuncia o que Jesus veio fazer:
“Tu, porém, põe-te em prontidão, fica de pé e anuncia-lhes tudo o que eu te mandar dizer. Não tenhas medo deles, senão eu é que te farei tremer diante deles. Hoje eu faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro, um muro de bronze para enfrentar o país inteiro: os reis de Judá e seus chefes, os sacerdotes e o povo do país. Farão guerra contra ti, mas não te vencerão, porque estou contigo para te defender”.
Como é na luz de Deus que vemos a luz, sua face luminosa em Cristo nos faz ver o que somos. Não somos peças jogadas ao acaso no mar da história, mas pessoas amadas por Deus desde toda a eternidade. Quem somos nós? Somos filhos de Deus e não escravos! Desde toda a eternidade ele pensou em nós e nos propõe a participação em seu plano de amor, para o crescimento de seu Reino.
Em Jesus Cristo, como somos “filhos no Filho”, nós nos descobrimos e encontramos o nosso caminho. Acolhendo a sua Palavra e tornando-nos seus discípulos, virá a luz sobre nossa vida. De fato, muitas serão as surpresas, positivas e negativas. Se entre os homens e mulheres a descoberta dos eventuais defeitos das pessoas assume formas acusatórias e condenatórias, com Deus é diferente, e com ele sempre tem jeito de mudar: “Feliz o homem a quem Deus corrige! Não rejeites, pois, a repreensão do Poderoso, porque ele fere, mas trata da ferida; golpeia, mas suas próprias mãos curam (Jó 5,17-18). Seu julgamento vem sempre com a sentença de misericórdia, reparação e restauração.
Dito isso, há que experimentar o chamado de Deus, que se dirige a todos, sem permitir a qualquer homem ou qualquer mulher, dar desculpas. E com a força que vem de Deus, poderemos enfrentar as perseguições, julgamentos e condenações, indiferenças e reações negativas de todo tipo!
Sendo filhos amados, fortalecidos com a graça, perdoados, curados e restaurados, nós entendemos ser responsáveis pela evangelização. Ninguém poderá ficar indiferente a esta responsabilidade, pois Jesus Cristo e sua Igreja saíram ao nosso encontro, para plantar em nossos corações o dinamismo da missão evangelizadora. A Igreja quer ser “Igreja em saída” através de nós, mas especialmente dos cristãos leigos, homens e mulheres inseridos na sociedade, responsáveis por fermentá-la com os valores do Evangelho.
E vale insistir em que realizaremos tal missão em comunidade e em comunhão, ninguém sozinho ou desprezando os outros. Cada pessoa, cada família, cada Comunidade e cada Paróquia, todos sejam capazes de estabelecer os laços necessários a uma vida de comunhão, uns ajudando os outros, ninguém isolado ou individualista. Este é o caminho da sinodalidade a que a Igreja nos convida.