O mundo parece incorrigível! Passa o tempo e os frutos dos conflitos e guerras são lições que deveriam ser acolhidas e transformadas em vida e relacionamento entre pessoas e nações. Entretanto, com certa frequência a temperatura se torna quente entre os vários polos que se fazem contrastantes, mesmo existindo espaços privilegiados, como a Organização das Nações Unidas, cuja tarefa poderia ser e deveria ser um grande fórum de debate e busca de soluções pacíficas. No fundo de tudo, existe a tendência humana à superioridade e ao mando sobre os outros, a ser controlada e canalizada para o bem, o que nem sempre acontece.
Curioso e ao mesmo tempo provocante é o fato de que a chamada “Regra de Ouro”, presente de formas aproximadas e complementares na Sagrada Escritura, se encontre, de formas semelhantes, em vários textos sagrados de outras tradições religiosas, o que significa que o Espírito Santo planta as Sementes do Verbo de Deus por toda parte. É possível apelar, mesmo antes de chegar ao Evangelho, ao bem existente em todas as religiões autênticas e à consciência humana, à boa vontade na busca de soluções para tantos conflitos entre pessoas, grupos e nações. Os últimos dias nos fazem assistir um empenho significativo de autoridades e diplomatas na busca da paz e da fraternidade universal. Não é supérfluo pedir que cada pessoa encontre no segredo de sua consciência os valores que o Espírito Santo plantou, para que frutifiquem. E o Papa Francisco tem insistido mais ainda, nos últimos dias, na oração pela paz, tanto que conseguiu oferecer ao mundo o espetáculo da Praça de São Pedro em silêncio absoluto, com as pessoas pedindo o dom da paz! Poucas palavras, muita vida e muitas vozes que sobem ao Céu, suplicando o dom de um dos frutos do Espírito Santo!
Já se passaram muitos séculos, eram tempos de Saul e Davi (Cf. 1 Sm 26.2.7-9.12-13.22-23), os exércitos do rei estavam perseguindo Davi. Uma noite, o jovem e, futuro rei teve oportunidade de se aproximar de Saul, e este em sono profundo. Os companheiros de Davi sugeriram um gesto fatal. Davi se recusou, sabendo que ali se encontrava o ungido do Senhor. Apanhou a lança e a bilha d’água que ali se encontravam e, à boa distância, fez saber a todos que o seu coração não se dobrava a maldade iminente e possível. Soube andar contra a correnteza do mal, superando a lógica da inimizade e da destruição do que é diferente e, mais ainda, inimigo!
No Evangelho de São Lucas (6,27-38) encontramos uma parte do Sermão pronunciado por Jesus após as bem-aventuranças. Ali se encontram, tendo em seu núcleo a regra de ouro, atitudes a serem assumidas por todos os cristãos, para contribuirmos na construção de um mundo diferente. Aliás, é o que o Papa tem proposto, ao lançar-nos num processo de revisão de nossas práticas pastorais, para empreender um novo esforço evangelizador, vivido em comunhão sinodal, na qual seremos chamados a valorizar tudo o que o Espírito Santo suscita na Igreja, em torno dela e fora da Igreja! Vale a pena cotejar estas propostas!
O mais difícil vem na frente! “Amai os vossos inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam. Sereis filhos do Altíssimo, porque ele é bondoso também para com os ingratos e maus”. Deus não nos ama e nos perdoa porque sejamos bons, mas porque ele é bom e nos criou por amor, para sermos bons e felizes nesta terra e na eternidade. Dentro de todas as pessoas humanas existe uma reserva de bem, plantada pelo próprio Senhor, o que nos leva a construir pontes de relacionamento, buscando captar esta fagulha ali existente, mesmo naqueles que nos tratam mal.
“Falai bem dos que falam mal de vós”. Será uma boa receita para superação das múltiplas notícias falsas que correm nas redes sociais. Começar a falar bem, pôr em relevo as notícias boas, espalhar os testemunhos e experiências de conversão, gestos de caridade, reconstrução dos ambientes e da fama das pessoas. É exigente, parece até impossível depois da avalanche de notícias más que teremos lido ou ouvido só no dia de hoje, mas este é o caminho do Evangelho!
“Se alguém te bater numa face, oferece também a outra. E se alguém tomar o teu manto, deixa levar também a túnica”. Alguém pode dizer que isso é demais! Entretanto, basta ver a história dos santos e nos mártires, que levaram a sério e digamos, mesmo literalmente a proposta evangélica! Tal atitude exige uma verdadeira revolução interior, para resistir aos impulsos de nosso temperamento, não poucas vezes agressivo e vingativo.
“Tudo o que vós desejais que os outros vos façam, fazei-o também vós a eles”. É a formulação cristã da regra de ouro, cuja prática pode nortear a vida cotidiana, inclusive por saber que assim o Senhor ensinou e fez, dando-nos a vida, a graça e as forças para praticá-la.
“Se prestais ajuda somente àqueles de quem esperais receber, que generosidade é essa? Até os pecadores prestam ajuda aos pecadores, para receberem o equivalente”. Haveremos de descobrir e colocar em prática gestos diferentes, na saída de nós mesmos, para difundir atitudes de generosidade e gratuidade com todos. É necessário superar o clima de isolamento e defesa no qual facilmente nos envolvemos, inclusive pelo medo da violência reinante. Alguém tem que começar a ser diferente, e somos nós, os cristãos, chamados a tomar iniciativa. “Dai e vos será dado. Uma medida boa, socada, sacudida e transbordante será colocada na dobra da vossa veste, pois a medida que usardes para os outros, servirá também para vós”. Esta é a medida de nossa iniciativa.
E será necessário chegar ao extremo da perfeição: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados”. Misericórdia significa coração voltado e dado à miséria, às fraquezas dos outros! A superação começa na cabeça, vencendo os julgamentos, para se concretizar no perdão.
“Orai por aqueles que vos caluniam”. As propostas feitas podem significar um ideal muito alto, e o são! Só que do Alto vem o auxílio daquele que é derramado em nossos corações, trazendo-nos o amor de Deus, o Espírito Santo.
Nestes meses que antecedem e preparam a Assembleia conclusiva do Primeiro Sínodo Arquidiocesano de Belém, teremos muitas oportunidades para colocar em prática estas regras de ouro da convivência! Busquemos a concórdia e a comunhão! Quem experimentar o desapego às próprias ideias, lançando-se a pensar grande, pensar Igreja de Belém, terá dado sua contribuição e ajudará a que nos lancemos no futuro com a ousadia dos mártires e missionários, coerentes com a história até agora edificada em nossa Igreja Arquidiocesana.