São Paulo e a Comunhão Eclesial (parte 2)

Introdução

Apesar das fragilidades internas presentes no grupo dos Doze, Onze compreenderam a essência da exigência da Comunhão e suas consequências. Lamentavelmente, aquele que nada assimilou traiu o Mestre e, por orgulho, rompeu com a Igreja, isolou-se, saiu para satisfazer suas ilusões e teve um fim dramático (cf. Mt 27,1-5). Judas Iscariotes é símbolo da vaidade e da autorreferencialidade que sempre contribui para o fracasso do sujeito.
Judas Iscariotes continua ainda vivo na Igreja e se manifesta nas múltiplas atitudes daqueles que pretendem acertar sozinhos, democraticamente, isolados, seguindo seus critérios, mas negando a comunhão com Cristo e a Igreja. Dessa forma, negam as manifestações do Espírito Santo que a guia.
A pessoa ou grupo que, na Igreja, segue seus próprios interesses desconexos do senso de sinodalidade (do caminhar juntos, que exige paciência!), não está em sintonia com os ensinamentos e nem com as atitudes de Jesus que sempre esteve em obediência e comunhão com o Pai, animado pelo Espírito Santo.

Não há comunhão onde a fé se esfriou, os interesses pessoais ou grupais se fortaleceram, o democratismo doutrinal promoveu o relativismo e perdeu-se de vista o dinamismo do Reino de Deus. Em geral, isso acontece, quase sempre, a partir de uma visão distorcida e fragmentada da pessoa de Jesus Cristo e da identidade da Igreja. Nesta reflexão concentremos o nosso olhar sobre a sensibilidade de São Paulo para com o tema da Comunhão.

1 – As exigências do batismo
O compromisso de comunhão é fruto da fé em Cristo, abraçada conscientemente, da qual decorre um novo modo de viver ou um estilo de vida que não mais se deixa pautar pela moral da cultura, nem pelas solicitações dos próprios interesses e nem pelos impulsos pessoais. O batismo traz consigo o compromisso de vida nova, que brota do dinamismo do Amor da Santíssima Trindade.

Nos ensinamentos de São Paulo há uma fortíssima atenção sobre a qualidade do relacionamento dos batizados. Isso deve distinguir a comunidade dos discípulos de outros grupos. Na carta aos Romanos, São Paulo os convida a tomarem consciência dessa nova moralidade, como sendo a aurora de um novo modo de viver: “já é hora de vocês acordarem: a nossa salvação está agora mais próxima do que quando começamos a crer. A noite vai avançada, e o dia está próximo. Deixemos, portanto, as obras das trevas e vistamos as armas da luz. Vivamos honestamente, como em pleno dia: não em orgias e bebedeiras, prostituição e libertinagem, brigas e ciúmes. Mas vistam-se do Senhor Jesus Cristo, e não sigam os desejos dos instintos egoístas” (Rm 13, 11-14).

As obras das trevas significa um comportamento que não leva em conta o dinamismo da caridade, mas, simplesmente, os instintos, os próprios interesses, paixões, caprichos pessoais. Disso decorrem consequências como briga, divisões, disputas, ciúmes… Segundo São Paulo, não vive a comunhão quem segue os “desejos dos instintos egoístas”. Não existe espaço para a comunhão onde cada um segue seus puros sentimentos, impulsos e ideias pessoais.

Na Carta aos Coríntios, a fragilidade da comunhão aparece bem acentuada, por isso, o apóstolo suplica: “Eu lhes peço, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo mantenham-se de acordo uns com os outros, para que não haja divisões. Sejam estreitamente unidos no mesmo espírito e no mesmo modo de pensar” (1Cor 1, 11). E na Segunda Carta, declara: “Tenho receio de que entre vocês haja discórdia, inveja, animosidade, rivalidade, maledicências, falsas acusações, arrogância, desordens” (2Cor 12, 20).

Na carta aos Efésios encontramos a mesma firmeza do apóstolo quando fala da necessidade da passagem do “homem velho” para o “homem novo”, referindo-se ao antes e ao depois do batismo. Em nome do Senhor Jesus Cristo os efésios são solicitados a não viverem como os pagãos: de mente vazia e cega, longe da vida divina, duros de coração, ignorantes, insensíveis, libertinos, ávidos por todo tipo de imoralidade (cf. Ef 4, 17-19). E conclui, recomendando-lhes: “vocês devem deixar de viver como viviam antes, como homem velho que se corrompe com paixões enganadoras. É preciso que vocês se renovem pela transformação espiritual da inteligência, e se revistam do homem novo, criado segundo Deus na justiça e na santidade que vem da verdade” (Ef 4, 22-24).

Não é possível a experiência da comunhão onde cada um apela para a própria liberdade e não se deixa orientar pela inteligência iluminada pela fé que nos apresenta o dinamismo da vida divina. Onde não há espaço para obediência, é impossível a comunhão. Quem não é capaz de comunhão, porque está centrado nas próprias ideias, não sente a transformação espiritual da sua inteligência, e tudo segue outra lógica, aquela do direito pessoal, da própria vontade e liberdade.

Aos Gálatas São Paulo faz o apelo à necessidade da gestão emocional e das paixões pessoais. Certamente, essa comunidade, como aquela de Corinto, tinha muitos problemas de relacionamentos porque o apóstolo é enfático, dizendo-lhes: “se vocês se mordem e se devoram uns aos outros, tomem cuidado! Vocês vão acabar destruindo-se mutuamente” (Gl 5, 16). Nesse contexto lhes mostra o poder maléfico dos instintos egoístas e da impulsividade desgovernada que gera conflitos, desobediência, libertinagem, idolatria, ódio, discórdia, ciúme, ira, rivalidade, divisão, sectarismo… (cf. Gl 5, 17-32).

Para que a Igreja viva a comunhão é preciso que cada um não se deixe arrastar pelos ressentimentos, descontrole emocional e nem impérios dos instintos. São Paulo nos estimula a pensar que a experiência da comunhão não é automática, mas pressupõe formação humana, esforço pessoal e treinamento nas virtudes. Onde há ressentimentos não há comunhão e nem paz.

2 – Virtudes a cultivar
A Comunhão não é uma virtude isolada. Ela só é possível para quem tem relativa maturidade humana, senso eclesial e robusta fé. Por isso, as inúmeras orientações que o apóstolo Paulo dava às comunidades estão relacionadas a diversas dimensões da vida. Isso nos diz que a Comunhão eclesial tem muitas dimensões: afetiva, espiritual, doutrinal, política (governo), pastoral, econômica, administrativa, missionária, etc. Trata-se de uma realidade profunda e transversal.

No que diz respeito à afetividade, Paulo recomenda como ingrediente da comunhão a sinceridade do afeto, o carinho, a mútua estima, o zelo no serviço, o fervor de espírito, a firmeza nas dificuldades, a prática da hospitalidade, a solidariedade (cf. Rm 12, 9-13).

Aos Romanos ainda lhes pede para não levarem em conta o mal sofrido, a serem solidários, gratuitos, buscar a harmonia, a serem modestos, a não se deixarem vencer pelo mal, mas vencer o mal com o bem (cf. Rm 12, 14-21) e conclui, afirmando que “o amor não pratica o mal contra o próximo, pois o amor é o pleno cumprimento da Lei” (Rm 13, 10).

Os Gálatas são estimulados a saborear os frutos do Espírito que “é amor, alegria, paz, paciência, bondade, benevolência, fé, mansidão e domínio de si” (Gl 5, 22). Na carta aos Efésios, recorda-lhes a dignidade da vocação que receberam e, por isso, lhes pede que “sejam humildes, amáveis, pacientes e suportem-se uns aos outros no amor. Mantenham entre vocês laços de paz, para conservar a unidade do Espírito” (Ef 4, 3).
Com essas e tantas outras preocupações apresentadas por São Paulo, chegamos à conclusão de que a comunhão eclesial é dom de Deus e, ao mesmo tempo, depende da compreensão das exigências batismais, da profundidade da fé, da formação humana, do esforço pessoal e da corresponsabilidade fraterna.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
1 – Por que São Paulo fala tanto do potencial maléfico dos nossos “instintos egoístas”?
2 – Por que não é possível a comunhão eclesial sem a formação humana?
3 – Por que a comunhão eclesial tem muitas dimensões?

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