Um pequeno grande livro (11)

Hoje veremos o que, no livro “O Monge e o Pastor”, se diz sobre a morte.

Na carta de 8 de maio de 2020, uma sexta-feira, diz o monge beneditino Marcelo Barros ao pastor batista Henrique Vieira:

“Sinto-me herdeiro de duas culturas de certa forma opostas. Sou alguém que nasceu e cresceu nesta sociedade que nos educa a não pensar na morte e fazer de conta que ela não existe, a não ser para os outros, e não se fala no assunto e ninguém se prepara para enfrentar o momento da morte, que permanece como um nó que nunca aprendemos a desatar. Isso é péssimo, a vida tem sido desumanizada e com isso a morte também perde o seu sentido. É dessacralizada e, assim, não aprendemos nada com ela.”

E continua: “eu dizia que sou filho de duas culturas de certa forma opostas. A primeira é esta sociedade que disfarça o medo da morte e sua certeza. Mas, aos dezoito anos, quando entrei no mosteiro beneditino, logo nos meus primeiros dias lá, um dos costumes que mais me espantou foi o dos monges recrearem passeando sobre os túmulos dos já falecidos! Conversavam sobre os assuntos do dia a dia pisando em lajes, algumas mais antigas, outras mais novas, escritas em latim, indicando que ali jaziam irmãos que viveram e faleceram na busca da intimidade de Deus. Perguntei o porquê daquele costume. O mestre me respondeu: ‘vive bem quem, a cada dia, convive com a morte. Em Deus, todos nós estamos vivos.’ Não compreendi.”

Quando fui ao Rio, com outros padres de nossa arquidiocese, para a posse, como arcebispo, do nosso querido Dom Orani, fiz questão de dar um pulo ao mosteiro de São Bento, para visitar os túmulos de Dom Marcos Barbosa, de quem eu encenei vários textos teatrais, e de Dom Plácido, responsável por toda a parte musical do VI Congresso Eucarístico Nacional aqui transcorrido em 1953, e verifiquei a veracidade dessa afirmação de Marcelo Barros. Ao passar sobre os túmulos de ambos.

Voltando a Marcelo Barros:

“Depois, aprendi a ver a morte não como tragédia incompreensível e sim como dor de parto que gera vida nova. Vi muitos monges morrerem. Quando para um monge chega a hora da partida, a comunidade dobra o sino maior do mosteiro e se reúne junto ao leito do moribundo. Todos cantam o cântico da consagração que aquele irmão entoou no dia em que se tornou monge. Assim entregam a Deus o monge que partiu. Conheci um monge que estava moribundo. Quando a comunidade fez essa oração ao pé de seu leito e o entregou a Deus, ele disse as seguintes palavras: ‘Bem-vinda sejas, irmã morte. Dá-me mais um dia para eu me converter e me reconciliar com quem não amei bastante, depois, vem me buscar.’

Vou ficando por aqui. Na próxima edição de “Miscelânea” voltarei ao assunto, se ainda não tiver passado para o lado de lá, pois ainda há muito que ver sobre ele, no precioso livro ora em estudo.
Aos meus possíveis leitores, uma boa e santa morte, quando chegar a hora.

Shalom!

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