Nesta edição de “Miscelânea” continuaremos a ver o que no, a meu ver, precioso livrinho “O monge e o Pastor”, se diz sobre a morte.
Na carta de oito de maio de 2010, do monge beneditino Marcelo Barros ao pastor batista Henrique Vieira, começada a ser estudada em nossa edição passada, lê-se:
“Entre os monges antigos, era comum essa convivência com a morte não por desprezo à vida, mas ao contrário, por uma integração entre vida e morte.
Um dos monges que mais me impressionou nesse assunto era músico. Foi compositor e autor de vários hinos que durante anos cantamos. Ele soube pelo médico que estava com câncer de fígado em estado terminal. Não tardou para a doença consumi-lo. Um dia, despertou em um momento de coma. Ouviu o toque do sino, olhou ao redor e viu a comunidade reunida, renovando sua consagração. Compreendeu o que aquele rito significava. Deixou os irmãos acabarem o cântico e fez sinais de que queria falar ao Abade. Este se aproximou e ele sussurrou: “já que vou morrer, quero comer uma maçã assada e beber um cálice de vinho.” Comeu, bebeu e entregou o espírito a Deus.”
E continua Marcelo Barros: “devo lhe confessar que ainda não cheguei a essa integração tão tranquila da morte na vida. Com a experiência da idade percebo que em geral (claro que há exceções), as pessoas morrem como viveram.
Nos mosteiros cristãos, comunidades indígenas e afrodescendentes que vivem de acordo com suas culturas originais, as pessoas envelhecem em meio ao grupo, inseridas na teia comunitária. Nada de asilos e ninguém se aposenta da fé, da comunhão com os outros e do louvor em cada elemento da natureza. Ao contrário, os mais velhos se tornam bibliotecas vivas de sabedoria e de apoio aos mais jovens. Assim sendo, as pessoas falecem – em geral já muito idosas – como uma vela que se apaga. Os vivos convivem com seus mortos.”
E prossegue: “no universo, há um equilíbrio entre a vida e a morte. Falando a partir das antigas culturas do Oriente, o escritor Herman Hesse diz que a cada chamado da vida, o coração deve estar pronto para a despedida e para novo começo, com ânimo e sem lamúrias.
Penso que nas culturas muito fiéis às antigas tradições, sejam cristãs, sejam de outra fonte espiritual, a morte é uma invenção sábia da vida para que ela possa permitir à pessoa emergir no universal. De acordo com essa sabedoria, a morte faz parte da vida.”
Como meu espaço está chegando ao fim, vou ficando por aqui. Na edição vindoura, voltaremos ao assunto em tela, pois ainda há muito a se ver sobre ele no livro que vimos dissecando. Da minha parte, uma sugestão: não esqueça, prezado leitor: morre bem quem viveu bem, ou, em outras palavras, quem soube viver.
Shalom!