Um pequeno grande livro (28)

Como prometi, ou, se o preferir o leitor, anunciei, no final da edição passada aqui de Miscelânea, nesta de hoje relatarei, sinteticamente para não me tornar prolixo, como foi minha viagem de volta a Belém, na terceira classe do navio Raul Soares, findo o 36º Congresso Eucarístico Nacional, realizado no Rio de Janeiro em 1955.

Sem mais, ao relato:
Comecemos pela comida. Sendo ela péssima, da pior qualidade, – basta dizer que continha, entre outras porcarias, baratas mortas e pedaços de madeira, – deixei de comê-la. Por sorte tornei-me amigo de um jovem italiano que falava o Português fluentemente e pagava sua passagem trabalhando na cozinha. Desde que nos conhecemos minha alimentação passou a ser três maçãs que ele me dava: uma como café, a segunda como almoço e a terceira como jantar. À noite ficávamos conversando na proa do navio até o sono chegar. Essas nossas conversas eram todas sobre Belém, razão de sua viagem. Ele queria saber tudo sobre ela. Eu, como era comum àquela época, entre nós belemenses – espero que não mais o seja – só fiz falar mal dela. Alguns dias depois de nossa chegada, encontramo-nos casualmente à entrada do Museu Goeldi e ele foi logo me dizendo:
– Ô rapaz, como você foi injusto! Sua cidade não é nada do que você me falou, muito pelo contrário: é uma cidade belíssima, única, diferente. Uma cidade com cheiro de mata, rica em espécies vegetais e animais. E essa cor morena de vocês?

Quase que não saio vivo dessa viagem. Em Fortaleza o navio ficava ao largo. Enquanto alguns passageiros iam à cidade em barcos, eu e outro rapaz da terceira classe resolvemos tomar banho ali mesmo. Tão logo caímos na água, alguém da tripulação nos advertiu:
– Vocês estão querendo morrer, seus doidos? Isto aqui está cheio de tubarões, todos eles vorazes.
Mais que depressa subimos ao navio.

Passei o tempo todo da viagem empoleirado em meu beliche, entregue à leitura, pelo que a terceira classe inteira pensava que eu era pastor evangélico. Só quando o povo da terceira classe fez uma festa, por sinal animadíssima, e cai na gandaia, concluíram que de pastor eu não tinha nada.
Aproveitei a primeira noite de nossa parada em Salvador para matar minha vontade de conhecer, nem que fora só por fora, a igreja do Senhor do Bonfim. Quase que não chego lá de tanto que me perdi em idas e vindas pelas mesmas ladeiras. Em que labirinto vim me meter, Senhor!
Felizmente consegui achar o caminho de volta ao navio, já de manhãzinha. Para minha tristeza estava com os testículos inchados de tanto caminhar.
Aqui – arre, até que enfim!- Dou por finda minha longa digressão. Shalom

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