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“Nós somos cidadãos do céu. De lá aguardamos como salvador o Senhor Jesus Cristo. Ele transformará o nosso corpo, humilhado, tornando-o semelhante ao seu corpo glorioso, graças ao poder que o torna capaz também de sujeitar a si todas as coisas” (Fl 3,20-21). Assim a Igreja nos ilumina na celebração do segundo Domingo da Quaresma, quando contemplamos a plena luz de Deus que se reflete sobre os discípulos conduzidos por Jesus ao Monte da Transfiguração. Nosso futuro é a vida em Deus, quando tudo e todos serão transformados pela força da Ressurreição de Jesus. Ver a glória de Deus que resplandece em Cristo ilumina também nossa presença e ação no mundo ferido e machucado pelo egoísmo, no qual nos encontramos, para acender a chama da esperança.
Em nossos dias, muitos são os desafios para que a proposta de comunhão entre as pessoas e a natureza venha a ser devidamente enfrentada. No próximo Sínodo dos Bispos especial para a Amazônia, junto do Papa, o Episcopado da Região Amazônica se desdobrará sobre um tema provocante, a busca de uma ecologia integral. Para esta, a chave não é em primeiro lugar a natureza, mas o ser humano, como ensinou magistralmente São João Paulo II. Já na narrativa da criação do mundo, no Livro do Gênesis, foi confiada aos seres humanos a responsabilidade de cuidar da terra. E o Papa Francisco, na Encíclica “Laudato si” (Número 67), abre o horizonte para a nossa compreensão da imensa responsabilidade que nos cabe.
Diz o Papa: “Não somos Deus. A terra existe antes de nós e nos foi dada. Isto permite responder a uma acusação lançada contra o pensamento judaico-cristão: foi dito que a narração do Gênesis, que convida a «dominar» a terra (Cf. Gn 1, 28), favoreceria a exploração selvagem da natureza, apresentando uma imagem do ser humano como dominador e devastador. Mas esta não é uma interpretação correta da Bíblia, como a entende a Igreja. Se é verdade que nós, cristãos, algumas vezes interpretamos de forma incorreta as Escrituras, hoje devemos decididamente rejeitar que, do fato de ser criados à imagem de Deus e do mandato de dominar a terra, se deduza um domínio absoluto sobre as outras criaturas. É importante ler os textos bíblicos no seu contexto, com uma justa hermenêutica, e lembrar que nos convidam a ‘cultivar e guardar’ o jardim do mundo (Cf. Gn 2, 15). Enquanto ‘cultivar’ quer dizer lavrar ou trabalhar um terreno, «guardar» significa proteger, cuidar, preservar, velar. Isto implica uma relação de reciprocidade responsável entre o ser humano e a natureza. Cada comunidade pode tomar da bondade da terra aquilo de que necessita para a sua sobrevivência, mas tem também o dever de protegê-la e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras. Em última análise, ‘ao Senhor pertence a terra’ (Sl 24/23, 1), a Ele pertencem ‘a terra e tudo o que nela existe’ (Dt 10, 14). Por isso, Deus proíbe-nos toda pretensão de posse absoluta: ‘Nenhuma terra será vendida definitivamente, porque a terra me pertence, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes’” (Lv 25, 23).
Só olhando para Deus, escutando e acolhendo sua Palavra, vivendo seus mandamentos, é que a humanidade conseguirá construir um mundo digno, justo e fraterno. E não basta cuidar da natureza, das árvores, da água, do ar ou dos animais. Há que se dar atenção às pessoas, sua dignidade, sua vida e sua salvação! Quando a Igreja celebra a Quaresma, quer que a ecologia integral comece na alma, no interior humano, na conversão. E espera que os frutos venham à tona, com o cuidado a ser tomado a respeito da vida social e a atenção ao bem comum. Este é o sentido da Campanha da Fraternidade!
“Cada Campanha da Fraternidade é uma proposta de conversão quaresmal. A deste ano tem como objetivo estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais da fraternidade. Políticas Públicas são ações e programas desenvolvidos pelo Estado para garantir e colocar em prática direitos previstos na Constituição Federal e em outas leis. É preciso ter clareza quanto à diferença que há entre ‘política’ e ‘Políticas Públicas’. A política é o espaço de poder e opiniões em que diferentes necessidades se enfrentam ou se unem, com visões e concepções distintas, em busca do interesse comum. Já as Políticas Públicas englobam os mais diferentes ramos do pensamento, como as ciências sociais, as ciências políticas, as ciências econômicas e as ciências da administração pública. As Políticas Públicas representam, pois, soluções específicas para o atendimento das necessidades e a solução dos problemas da sociedade. Dizem respeito às ações do Estado que buscam garantir a segurança e a ordem social e regular a relação entre as instituições e os diversos atores, sejam individuais ou coletivos (consumidores, empresários, trabalhadores, corporações, centrais sindicais, mídia, entidades do terceiro setor etc.), envolvidos na solução de um determinado problema. Há Políticas Públicas de Estado e de governo. As políticas de Estado encontram-se amparadas pela Constituição (‘Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente’ – Art. 1º, parágrafo único), e devem ser realizadas independentemente do governo que estiver no poder. Já as políticas de governo são especificas a cada período do governante, uma vez que no regime democrático há alternância no exercício dos poderes executivo e legislativo. Um dos atores principais na formulação da proposta de implementação de Políticas Públicas é a denominada Sociedade Civil, especialmente por meio do Terceiro Setor. Abre-se aqui, portanto, um imenso campo de participação para os cidadãos, chamados a dar sua contribuição quando se trata da escolha das Políticas Públicas a serem implementadas. Critérios fundamentais devem ser observados na escolha dessas Políticas, sobretudo a garantia dos direitos fundamentais do ser humano, isto é, a ordem justa da sociedade e a justiça social, que nos obrigam a ter uma preocupação especial com os mais pobres e desprotegidos (Dom Murilo Krieger, Arcebispo Primaz do Brasil e Vicente-Presidente da CNBB).
Queremos contribuir com nossa palavra, nosso testemunho e nossa participação, para a transformação de nosso mundo para melhor. O jardim ou paraíso das primeiras páginas da Bíblia provoque nossa responsabilidade! Transformados pela graça da conversão quaresmal, saiamos juntos dos muitos desertos construídos pelo egoísmo humano, para que o novo Céu e a nova Terra sejam a luz a iluminar nossos passos. Muitos sejam os montes da Transfiguração, com os quais a presença de Jesus em nosso meio nos antecipe a novidade plena, que só pode vir de sua graça!
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